sexta-feira, julho 29, 2011

Homem e mulher passam pelo pavilhão de cancerosos

O homem:
A fila aqui são ventres podres
e aquela, peitos podres. Cama fede junto
a cama. As enfermeiras trocam de hora em hora.

Vem, ergue devagar esta coberta.
Olha: esta massa gorda com humores podres
já foi querida outrora por um homem,
era seu êxtase e seu lar.

Vêm, olha as chagas neste peito. Notas
o rosário de nós pequenos, moles?
Apalpa. A carne é mole e nada sente.

Esta outra sangra como que de trinta corpos.
Ninguém tem tanto sangue.
Tiveram que cortar,
daquele corpo canceroso uma criança.

Que durmam. Dia e noite. — Diz-se aos novos:
o sono aqui faz bem. — Mas aos domingos
deixam-nos acordar, para as visitas.

Comem um pouco. Suas costas cobrem-se
de chagas. Olha as moscas. A enfermeira,
às vezes, lava-os. Como se lavasse um banco.

A cova aqui já ronda cada cama.
A carne desce à lama. A chama some.
A seiva se derrama. A terra chama.

- Gottfried Benn
(tradução de Nelson Ascher)
in Poesia Alheia, Editora Imago

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