sexta-feira, junho 03, 2011

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Sopra um vento terrível.
Há apenas um pequeno buraco no meu peito,
Mas sopra um vento terrível.
Não foste feito para mim, lugarejo de Quito.
Preciso de ódio, e inveja, é a minha saúde.
Preciso de uma grande cidade.
Um grande consumo de inveja.

É só um pequeno buraco no peito,
Mas sopra um vento terrível,
E há (sempre) ódio no buraco, e impotência, e espanto,
Impotência sim e o vento carregado dela,
Forte como os turbilhões.
Quebraria uma agulha de aço,
E não passa de um vento, de um vazio,
Por causa deste vazio, malditos sejam toda a terra, toda a civilização, todos os seres à superfície de todos os planetas!

Disse um crítico encartado que dentro de mim não havia ódio.
Este vazio, eis a minha resposta.
Ah, como se sente mal na minha pele quem quer que seja!
Preciso chorar sobre o alimento do luxo, do domínio e do amor, o alimento da glória, todos fora de mim,
Preciso olhar através da vidraça,
Vazia como eu, da vidraça que não capta nada.

Disse chorar: não, é uma perfuração a frio, que perfura, perfura incansavelmente,
Como numa viga de faia duzentas gerações de vermes que legaram umas às outras esta herança: «Perfura… Perfura.»
À esquerda, mas não digo que seja o coração.
Digo buraco, não digo mais nada, é raiva e nada posso contra ela.
Tenho sete ou oito sentidos. Um deles: o da falta.
Toco e tacteio como se tacteia madeira.
Mas seria antes uma grande floresta, daquelas que já não existem na Europa há muito tempo.
E é isto a minha vida, a minha vida inspirada pelo vazio.
Se ele desaparece, este vazio, procuro-me, aflijo-me e é ainda pior.
Erigi-me numa coluna ausente.
Que diria Cristo se lhe acontecesse o mesmo?
Há doenças que, quando curadas, deixam o homem sem mais nada.
Morre logo, era já demasiado tarde.
Pode acaso uma mulher contentar-se só com ódio?
Então amem-me, amem-me muito e digam que me amam,
Escrevam-me, escreva-me qualquer uma dentre vocês todas.
Mas quem é ele, este ínfimo ser?
Nem duas coxas nem um grande coração conseguem encher o meu vazio.
Nem os olhos cheios de Inglaterra e, como se diz, de sonho.
Nem uma voz cantante que falasse de plenitude e paixão.

Os arrepios encontram em mim um frio sempre alerta.
O meu vazio é um grande devorador, grande triturador, grande aniquilador.
O meu vazio é algodão e silêncio.
Silêncio que tudo imobiliza.
Um silêncio de estrelas.
Embora seja profundo, este buraco é informe.
Não o encontram as palavras,
Chapinham à volta.
Sempre admirei as pessoas que por acreditarem ser revolucionárias acreditavam ser fraternas.
Falavam com emoção umas das outras: escorriam como sopa.

Não é ódio, isso, meus caros, é gelatina.
O ódio é sempre duro,
Bate, bate nos outros,
Mas também dilacera continuamente o interior de uma pessoa.
Isto é o reverso do ódio.
E não há nada a fazer. Nada.

- Henri Michaux
(tradução de Herberto Helder)
in Doze Nós Numa Corda, Assírio & Alvim

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