segunda-feira, junho 06, 2011

A Lição de Leitura

Catorze anos. Aprende o alfabeto.
As letras parecem-lhe mais difíceis de apanhar que lebres
Sem um cão. Eu não lhe podia dar um,
Para lhes seguir o rasto, prendê-la numa gaiola?
Está preso numa armadilha, até que eu o deixe ir
E o solte da amarra: «Não queres aprender a ler?»
«Vou ser o mesmo homem, faça o que fizer.»

Olha a página, como a mula remira desconfiada
A fenda por onde a cabra pode escapulir num berro.
Os olhos trocados por uma frase, como ave esbaforida
Fugida ao tiro. Uma palavra mais dura, e lá se arrasta
De volta para a sua égua malhada, o garnisé.
O nosso objectivo é tão fugidio
Como o mercúrio de um termómetro esmagado.

«Já não leio mais.» E eu, desisto?
As mãos dele, de dedos compridos, como um escriba celta,
Vão ganhar calos, a colher gravetos, sucata;
A explorar os bolsos dos vadios bêbados,
Gaiteiros das feiras, a pegar-lhes piolhos.
Um vizinho ri. «Nunca se pode domar
O pato-bravo: quando as asas lhe crescem, foge a voar.»

Se os livros fossem como estradas, depressa leria:
Mas são quintarolas para ele, gradeadas pela página,
Lavradas nas linhas, com letras escavadas como aveia:
Um campo de afazeres, uma vida ao ar livre.
Se as palavras fossem notas, gamava um maço delas;
Se fossem faisões, estariam na sua panela
Para o pequeno-almoço; carriças, faria delas rainha.

- Richard Murphy
(tradução de Hugo Pinto Santos)
in
Collected Poems, The Gallery Press (2000)

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