Para a Golgona, o Changuito, o Diogo e o Manuel
De novo à mesa,
insistimos em trocar pratos e encantamentos
como se pudéssemos ainda vencer,
escolhendo para além da morte.
Mas é ela quem se senta à cabeceira,
a mesma que nos esperava, de geração
em geração, no patamar das escadas
ou ao fundo do jardim.
Não precisa de cavalo branco,
olhos azuis, banda sonora.
Chega pontual, mais calada
do que o mais calado dos poetas,
para assistir aos nossos pequenos rituais
de sobrevivência, gestos com que tentamos
adiar a infância ou reinventar o fim da noite,
numa espécie de alquimia desencantada.
E vai brincando mansamente connosco,
borboletas esquecidas de uma Primavera
já sem milagres: queima-nos, pétala por pétala,
as flores de papel com que substituímos
as asas, asfixia-nos em cada copo,
cega-nos com o falso ouro das velas.
Reconheço-a desse momento também
entre a sombra e a luz – ou seria
o contrário – em que deixou
o meu avô ser o primeiro a contar-nos
da sua morte. Sei que ela continua à minha frente,
sarça ardendo devagar, inconsumível.
Sentir sempre cansa, é bom por vezes estar
apenas – justifico-me dentro de mim. Por isso
prefiro não erguer mais os olhos
(dantes era o amor que os mantinha baixos),
um jeito de adormecer ao sol e deixar que sejam
os outros a acreditar que há chaves escondidas
nos filmes ou nos livros, que até uma equação pode
salvar o mundo, se a conseguirmos resolver a tempo.
- Inês Dias
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