sábado, abril 02, 2011

Desgraçadinhos

Felizes da vida

"Num momento em que o espaço mediático está todo ocupado por crises económicas, crises políticas e números negativos, é bom verificar que há pelo menos um ramo de actividade em Portugal que cresce: o dos festivais literários. Já existiam dois muito importantes: o Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, em Fevereiro; e o Literatura em Viagem, em Matosinhos, no mês de Maio. Este ano passa a haver este Festival Literário da Madeira, em Abril; e o FLIS (Festa Literária Internacional de Sintra), em Novembro, uma espécie de franchising da Festa Literária Internacional de Paraty. É um aumento de 100%. Conhecem algum sector da economia portuguesa com um crescimento semelhante? Eu também não. No campo literário, não há agências de notação a quererem transformar-nos em lixo, nem raspanetes de uma qualquer alemã que só quer controlar os nossos défices.
Enquanto os economistas ponderam uma “ajuda” (entre muitas aspas) do FMI, que nada garante não venha a ser um flop; nós vamos ao Brasil buscar o conceito da FLIP. O Medina Carreira pode achar que lá para o fim do ano devemos atirar-nos todos ao mar, no maior suicídio colectivo da História, porque o país já não existe, e o Vasco Pulido Valente bem pode considerar que esse gesto é redundante, porque 1) Medina Carreira no fundo não passa de um optimista que está cinco séculos atrasado no seu diagnóstico, e 2) é impossível acabar com o que nunca existiu (ou seja, nós, os portugueses). As Cassandras continuarão a abrir diariamente a vala comum onde supostamente acabará o nosso futuro, mas nós (os leitores, escritores, editores) estaremos em Novembro na FLIS, felizes da vida, como estamos aqui hoje e amanhã, na Madeira, não menos felizes da vida, a falar de temas muito mais interessantes do que os juros da dívida soberana a cinco e a dez anos (que na verdade ameaçam ser juros a 50 ou a 100 anos)."


- José Mário Silva

coordenador da secção de Livros do suplemento Actual (semanário Expresso)

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