sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Requiem para Godot

Hoje é de morte o poema.
Não direi já do desejo azul líricos de fuga
pois todas as mãos erguidas se baixaram e depuseram as armas.
Quem um dia disse que tudo vale a pena
errou tão grandemente como o que disser que nada vale a pena.
A verdade é que não vale a pena.
Dizer tudo ou dizer nada é um excessivo e inútil esforço.
Hoje o poema é de morte, de abandono e nem sequer já de mãos crispadas.
E não direi do choro, já não direi do choro,
mas do sorriso branco da desesperança.
Não há mais cais, nem barcos, nem gares donde se sonhem idas, porque é inútil ir.
Sei, sei hoje muitas coisas porque é de morte o poema,
sei que o suicídio é um acto enorme de ilógica esperança
como a fuga ou o ódio ou o amor.
sei que o suicídio é um logro e que a verdade
está na rendição ou na quotidiana morte
que me faço.
Não direi hoje das portas que me trancam
ou dos braços que me sufocam e por estranho
que pareça as paredes são-me gratas e irmãs.
Só elas, as paredes brancas, conhecem o verdadeiro
desespero porque são irremediavelmente brancas e quietas.
O que dói é saber que seria igualmente amargo o oitavo continente.

- Maria do Céu Guerra
in São mortas as flores, Best-Sellers, 1963

1 comentário:

Poppy disse...

obrigada por este texto, Diogo. não conhecia e tocou-me profundamente.