quarta-feira, fevereiro 09, 2011

1910

Aqueles olhos meus de mil novecentos e dez
não viram enterrar os mortos,
nem a feira de cinza do que chora de madrugada,
nem o coração que treme acantonado como um cavalinho do mar.

Aqueles olhos de mil novecentos e dez
viram a branca parede onde urinavam meninas,
o focinho do touro, a seta venenosa
e uma luz incompreensível que iluminava pelos cantos
pedaços de limão seco sob o negro duro das garrafas.

Aqueles olhos meus no pescoço do poldro,
no seio trespassado de Santa Rosa adormecida,
nos telhados do amor, com gemidos e mãos sem vergonha
num jardim onde os gatos comiam as rãs.

Sótão onde o velho pó junta estátuas e musgos.
Caixas que guardam silêncios de caranguejos devorados.
No sítio onde o sonho tropeçava na sua realidade.
Ali os meus pequenos olhos.

Não me perguntem nada. Já vi como as coisas
procuram a sua direcção e encontram o seu vazio.
No ar deserto há uma dor de ausências
e nos meus olhos pessoas vestidas, sem nudez!

- Federico García Lorca
(tradução de Aníbal Fernandes)
in Anjo e Duende, Assírio & Alvim

Sem comentários: