quarta-feira, janeiro 19, 2011

Poesia, Umberto Saba, tradução de José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim (2010)

Ao arrepio de tradições como a chamada «hermética» (Ungaretti, Quasimodo), ou das múltiplas feições da vanguarda, a poesia de Saba fez-se, ao longo de um caminho extenso e sinuoso, com uma disposição muito particular, alheia a muitos dos modos com que se ia formando a modernidade, à medida que avançava o século XX, e que o poeta trilhou por vias alternativas – «E a vós regressa, amigo;/ lagos de sombra no coração do Verão.» (p.321). Assim, a simplicidade da sua lira – «mais atribulado/ porto do que este é afinal o nosso coração» (p.103) –, que facilmente poderia ser confundida com simplismo, ou tomada pela facilidade de uma arte simplória, é, pelo contrário, o produto de um entendimento complexo da poesia – na verdade, fortemente controvertido, eco de uma tensão entre o desejo de despojamento e de franqueza e os doridos artifícios de uma arte que buriladamente se buscava, conquanto pretendesse nem sequer o ser. Uma condição amplamente explanada, no seu iluminador estudo prefacial, por José Manuel Vasconcelos, que, longe de ser um apagado idólatra, faz sentir uma voz lucidamente crítica em relação ao poeta – «não creio que se deva exagerar o desinteresse de Saba pelo reconhecimento público, a atenção e admiração dos outros» (p.25). O ensaio de J.M.V. revela um entendimento da poesia em que a inteligência se alia à sensibilidade e à sensatez de uma forma poucas vezes alcançada e que resgata esta poesia marcada por «uma serenidade formal clássica» (p.27), que, no seu fazer, se mostra espelho de uma «realidade colada à humildade» (id.).

É da mais elementar justiça ressalvar que Poesia, de Umberto Saba, é, primordialmente, um trabalho de tradução notável de José Manuel de Vasconcelos. É digno do maior apreço, o modo como o tradutor transpôs o original para um português não só equivalente em significado, mas, sobretudo, passível de se manter como poema na língua de chegada. No seu trabalho, J. Manuel de Vasconcelos operou transformações de translação que permitiram alcançar resultados francamente louváveis. Quer através da manutenção e/ou reformulação dos processos rimáticos – «onde estás tu, ridente/ casinha, que desde o primeiro verso indigito?» (p.213) –, quer através de subtis, capacíssimas, transgressões – morfológicas, sintácticas, ou mesmo estilísticas –, a operação de verter o original de Saba revela-se, em toda a linha, um projecto amplamente cumprido.


- Hugo Pinto Santos

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