Em Mixcoac, povoação de lábios queimados, só a figueira assinalava as mudanças do ano. A figueira, seis meses vestida de um sonoro vestido verde e os outros seis carbonizada ruína do sol de verão.
Encerrado em quatro muros (ao norte, o cristal do não saber, paisagem por inventar; ao sul, a memória esquartejada; a este, o espelho; a oeste, a cal e o canto do silêncio) escrevia mensagens sem resposta, destruídas após assinadas. Adolescência feroz, o homem que quer ser, e que já não cabe nesse corpo demasiado estreito, estrangula o menino que somos. Contudo, ao cabo dos anos, o que vou ser, e que nunca será, entra a saque naquele que fui, arrasa o meu estar, desabita-o, malbarata riquezas, negoceia com a Morte. Mas nesse tempo a figueira chegava até à minha clausura e tocava insistrava-lhe no centro: torpor visitado por pássaros, vibrações de élitros, entranhas de fruto gotejando plenitude.
Nos dias de calma a figueira era uma petrificada caravela de jade, balanceando-se imperceptivelmente, atada ao muro negro, salpicado de verde pela maré da primavera. Mas, se soprava o vento de Março, abria-se passagem entre a luz e as nuvens, inchadas as verdes velas. Trepava até à ponta e a minha cabeça sobressaía entre as grandes folhas, bicada pelos pássaros, coroada de vaticínios.
Ler o meu destino nas linhas da palma de uma folha de figueira! Prometo-te lutas e um grande combate solitário contra um ser sem corpo. Prometo-te uma tarde de touros e uma cornada e uma ovação. Prometo-te o coro dos amigos, a queda do tirano e o desmoronamento do horizonte. Prometo-te o desterro e o deserto, a sede e o raio que parta em dois a rocha: prometo-te o jorro de água. Prometo-te a chaga e os lábios, um corpo e uma visão. Prometo-te uma flotilha navegando por um rio turqueza, bandeiras e um povo livre na sua margem. Prometo-te uns olhos imensos, sob cuja luz te hás-de estender, árvore fatigada. Prometo-te o machado e o arado, espiga e o canto, prometo-te grandes nuvens, talentos para o olho, e um mundo por fazer.
Hoje a figueira golpeia-me a porta e convida-me. Devo pegar no machado ou sair para dançar com essa louca?- Octavio Paz
(tradução de Rui Rosado)
in Águia ou Sol?, Hiena Editora
segunda-feira, janeiro 31, 2011
A figueira
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1 comentário:
Hás-de ficar conhecido como o poeta que levou a face desfigurado!
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