segunda-feira, janeiro 31, 2011


APARIÇÃO

Voam aves radiantes destas letras. Amanhece a desconhecida em pleno dia, sol rival do sol, e irrompe entre os brancos e negros do poema. Pia na espessura do meu assombro. Pousa no meu peito com a mesma suavidade inexorável da luz que reclina a fronte sobre uma pedra abandonada. Estende as asas e canta. A boca é um pombal de que lhe brotam palavras sem sentido, fonte deslumbrada pelo seu próprio brotar, brancuras atónitas de ser. Logo desaparece.
Inocência entrevista, que cantas na encosta do poente à hora em que eu sou um rio que desaparece no obscuro: que frutos picas aí em cima? Em que ramos de que árvore cantas os cantos da altura?


MAIÚSCULA

Flameja o esganicristério da alva. Primeiro ovo, primeiro bicar, carnificina e alvoroço! Voam penas, abrem-se asas, incham velas, mergulham remos na madrugada. Ah, luz sem brida, encabritada luz primeira. Desmoronamentos de cristais irrompem do monte, tímbales rompetímpanos quebram-se à minha frente.
Não sabe a nada, não cheira a nada a alvorada, a menina cega às apalpadelas pelas ruas, a menina ainda sem nome, ainda sem rosto. Chega, avança, titubeia, vai pelos corredores. Deixa um rasto de rumores que abrem os olhos. Perde-se nela mesma. E o dia esmaga com o grande pé colérico uma estrela pequena.


DAMA HUASTECA

Ronda pelas margens, nua, saudável, recém saída do banho, recém nascida da noite. No seu peito ardem jóias arrancadas ao verão. Cobre-lhe o sexo a erva murcha, a erva azul, quase negra, que cresce nos bordos do vulcão. No seu ventre uma águia estende as asas, duas bandeiras inimigas enlaçam-se, repousa a água. Vem de longe, do país húmido. Poucos a viram. Direi o seu segredo: de dia, é uma pedra ao lado do caminho; de noite, um rio que flui às costas do homem.

- Octavio Paz
(tradução de Rui Rosado)
in águia ou sol?, Hiena editora

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