domingo, novembro 28, 2010


ré menor, Patrícia Baltazar, Língua Morta, Outubro, 2010

O pior que se pode dizer é que, desde o título, se joga, em Ré Menor, com os sentidos da expressão contida no título, com a forma como se podem interpolar os campos judicial – «A ternura é a minha pena capital.» (p.23) – e musical – «Blindar os dias com música. Cada um, um por um.» (p.14). Porque nada aqui joga. Nada aqui é entretém. Rasga, sim, um percurso, pela música, em que alguém se põe em cheque, em severo juízo, e traga, sem remédio, um «Veneno vitalício.» (p.24). Trata-se de um juiz inclemente, o que aqui (se) julga, e será pesada a sua pena – «Não mais darei de beber.» (p.7) Cumpre-lhe o cárcere aberto e ínvio de uma «queda para um abismo de urgência» (p.24). Sem bálsamos, sem recursos, sobra-lhe a ventilação de um toque, que torne digno um corpo, numa proveitosa inflexão de sentido habitual, da, habitual, esfera do religioso para, diríamos, o profano dos sentidos, o outro domínio sacro, o do sentir.

A crise instaurada pelos versos, desmedida por dois pólos opostos, «Febre e fastio.» (p.10), cumpre o propósito que neles parece firmado, de levar à arena mais nua um corpo exposto a golpes tão difíceis de precisar – «Eu/ escondendo o meu corpo/ por baixo/ do meu próprio cadáver» (p.8). A poesia deste livro não se perde – e em não perder-se está parte do seu feito, já que os caminhos por ele percorridos levam geralmente a que se perca o pé, a que se perca a mão – no langor por que acaba por passar. Sabe servir-se dele para lamber feridas preservando o necessário sal, sem doçuras excessivas, deletérias, o mais das vezes, para o poema – apesar do mel, apesar da cedência, aqui e ali, a um vezo mais melancólico, que chega, como o fim de uma madrugada, antes que a rasgue a primeira luz. Embora nunca se deva procurar comodidade na poesia, algo nos interstícios dela, antes ou depois da sua detonação, consegue confortar-nos de tantos golpes que imitam já a morte. Um dos tónicos desta poesia acaba por ser a constatação que ela permite de que há quem não tema atiçar o lume do afecto – «A minha pele está exausta do percurso da tua boca. Exercício turvo. Cansaço de voz.» (p.23) –, ainda que sobre cinzas, a vulnerabilidade de uma «mão no peito» (p.18). Não devem, todavia, estas notas fazer pensar em enfraquecimento, seja ele expressivo ou de construção – «tenho um pacto com a água:/ deixo que seja ela a beber-me nos dias em que tremo de medo.» (p.12) Uma escrita do desconhecimento para o desconhecimento – «Escrevo-te porque não sei de ti» (p.27)

- Hugo Pinto Santos

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