quinta-feira, novembro 25, 2010

Junkspace (3)

A cor no mundo real parece cada vez mais irreal, mais consumida. A cor no espaço virtual é luminosa e portanto irresistível. Um excesso de tele-realidade transformou-nos em vigilantes aficionados que monitorizam um Universo-lixo… Desde os seios animados da violinista clássica, até à barba incipiente do desenhador do proscrito Big Brother, à pedofilia contextual do ex-revolucionário, às dependências rotineiras das estrelas, à maquilhagem derretida do evangelista, à robótica linguagem corporal do apresentador, aos duvidosos benefícios dos maratonistas para recolha de fundos, às fúteis explicações do político: a descida súbita da câmara de televisão suspensa de uma grua – uma águia sem bico, nem garras, só com um estômago óptico – devora imagens e confissões indiscriminadamente, como um saco de lixo, para as propulsar para o espaço em forma de ciber-vómito. Os estúdios de televisão – estridentemente monumentais – são tanto o culminar como o final do espaço perspectivo, tal como o conhecemos; restos angulares e geométricos que invadem infinitos estrelados; espaço real editado para transmissões fáceis no espaço virtual, eixo crucial de uma espiral infernal de reacções… a imensidão do espaço-lixo estendida até aos limites do Big Bang. Porque passamos a vida no interior – como animais num jardim zoológico – estamos obcecados com o clima: 40% de tudo o que se emite em televisão consiste em apresentadores pouco atractivos fazendo gestos impotentes frente a formações açoitadas pelo vento, através das quais podemos reconhecer, por vezes, o nosso próprio destino ou posição actual. Conceptualmente, cada monitor, cada ecrã de televisão é o substituto de uma janela; a vida real está lá dentro, o ciberespaço transformou-se nos grandes exteriores… A Humanidade está sempre a falar de arquitectura. O que aconteceria se o espaço começasse a olhar para a Humanidade? Invadiria o espaço-lixo o nosso corpo? Através das vibrações do telemóvel? Já o fez? Através de injecções de Botox? De colagénio? De implantes de silicone? Da lipoaspiração? Do alongamento do pénis? Será que a terapia genética anuncia uma remodelação total de acordo com o espaço-lixo? Somos cada um de nós um estaleiro em miniatura? Será a Humanidade a soma de 3 a 5 mil milhões de actualizações individuais? Será por acaso o repertório de uma reconfiguração que facilitará a intromissão de uma nova espécie nessa esfera-lixo que ela própria criou? O cosmético é agora o novo cósmico…

- Rem Koolhas
(excerto final do texto Espaço-lixo, traduzido por Luís Santiago Baptista para a Editorial Gustavo Gili – Rem Koolhas, Três textos sobre a cidade, 2010)

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