quarta-feira, maio 26, 2010

Muita flor derrama a custo
O seu perfume, doce como um segredo,
Nas solidões profundas

Baudelaire

Exaustas flores, em começos de junho,
entre o tom do vómito e o violeta,
o vento a coçar-se nas esquinas e a luz
gorgoleja e definha. Assim que o calor
afrouxa, desce em passo lento
num abandono pós-coito, debaixo
dos primeiros astros, meio esborratados,
a noite tão íngreme.

Uns ombros estreitos,
rosto chupado, olhar traficante de um
castanho manhoso, e um sorriso, esse
tão vulnerável. À boca do sono e das ruas
a linha de espuma dos bares, buracos
escavados num ânimo evasivo,
as mãos já muito magoadas e nada
do outro lado dos espelhos.

Os ângulos mais densos, borrões, riscos
fundo, enormes corpos, grotescos e
febris, como nas gravuras de Rodin.
As memórias derrubadas aí
entre cerveja, vinhos maus, canções piores.
E nas horas maiúsculas do cio, as últimas
sereias costurando-lhes as sombras
a esse itinerário de velhas pensões,
quartinhos bafientos
onde o amor abre o cardápio.

Perde sangue esta lenda obsessiva,
cansada de si e do mundo;
rezas a cada um dos teus deuses ordinários,
nenhum agora te responde. Percorres
a cidade apreciando a sua decadência
sem charme; cravas um cigarro, escreves
para entreteres o tédio. Deixas espaço
a um sentido que talvez te espere,
mas que já não virá a tempo de safar
o poema. O país, esse mal se aguenta,
e diz que só tem como piorar.
Seja. De qualquer modo

a rebelião, hoje, é coisa de um
e para um só.

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