sábado, maio 15, 2010

Créme de La Creme

Créme de la Creme
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O mar é aquela coisa bela,
Azul e profunda onde os homens se afogam

Anónimo Português século XXI


Não sou o tempo que demoram as ametistas a chegar ao fundo do mar,
Sou só uma pessoa que quer mergulhar em todos os olhos e não sair, uma ametista
Ansiosa que as pessoas se abracem; e ser também esse abraço para que as estrelas se venham, e que os olhos tristes da minha amiga nevem
Ando pelas ruas à espera que dois olhos me violem o metaplasma, Acendam a espinha;
Adoro lamber lágrimas e caras inteiras, as pequenas estrias e nódoas negras que Bernini esculpiu nos tornozelos da estátua A Verdade, são iguais às dos teus tornozelos, estrias, veias finas e azuladas, nódoas negras, hematonas, nas pernas / na pedra / bem torneados de um veio de mármore um pouco mais azulado
O amor é como carne
sabe a mar e a limão, a parte de trás das orelhas – disseste
Que as estrelas-do-mar são virtualmente eternas, porque são só pontas e sensação,
e quando uma ponta é cortada dá origem a uma estrela nova, e isso pode demorar séculos, inquisições, guerras mundiais, guerras nucleares, holocaustos africanos, eclipses totais do sol,
As estrelas-do-mar são virtualmente eternas
se me pedem para escrever um texto de cariz social, lembro-me da imagem do Rodas, a ingerir os pacotes de coca e heroína, poucos segundos antes da polícia aparecer no início da rua e de alguém lhe assobiar, vinte minutos depois de ser revistado a ir à banca beber água quente e azeite, e meter os dedos dentro da boca para vomitar - Tudo antes que os sacos rebentem: Na esquadra, diz-me o Rodas, levam alguns que não têm produto nos bolsos, ou enfiado nas meias para o hospital,
E no hospital metem-nos o caga-rápido, e descobrem as embalagens – Já esteve preso seis meses, mas as coisas correm bem, mesmo com duas noites seguidas que passou na esquadra, e depois olha-me febril, a dizer que tem de sair da cidade, no dia anterior à visita do Papa, noite em que não é seguro vender, porque anda muita polícia na rua, e pensa sair, ir para o sul onde tem família. E lembro-me do discurso sobre a dignidade do homem de Giovanni Pico della Mirandola, e da responsabilidade total do homem de Jean Paul Sartre, e isso dá-me vontade de rir, e de ser abraçado pelo Sol, e dar Vida, nos braços, de um beco escuro ao lado da rua Mouzinho, dois injectam o sol líquido nos braços e tombam para a frente, e o sol aparece mais acima carregado de um esperma, gerado em chamas pela vitalidade e loucura dos homens: que lhe permite brilhar, num cio de estrela dependente de emoções
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atravesso a nado os teus braços, as tuas pernas, a tua nuca, a parte de trás das orelhas sujas de café, de uma lambidela suja: por ti, (e vemos de todos os olhos) – O que foi visto e se há-de ver: abraço-te a mim, num corpo único que há- de rebentar recheado de sol, sinto o teu corpo pelas minhas mãos, pelos teus olhos vejo entrarem todos os mares, e acenderem¬-te de desejo e resignação, como se uma orquestra que tocasse Mahler fosse enviada para Neptuno, os músicos unidos por fios dourados, coisas que ligam – pessoas a pessoas – tudo se acende à minha volta, assobiam do fundo da rua, o Rodas corre. A travesti canta para nós. A orquestra faz o planeta vir-se, e uma chuva de néon cai sobre a terra, da Eurásia à Austrália. Atiramo-nos para uma piscina, e no fundo, descobrimos uma galeria subaquática, que se bifurcava por baixo do solo: saíamos na região do medo, como se saíssemos na estação de Montparnasse


Mostrou-me um livro – Eu escrevi um livro sobre a droga – Corrigiu: Eu ditei para um escritor a minha experiência com a droga, Rodas! Rodas! – O Rodas chegou do quarto – Sabes onde está o livro sobre a droga que ajudei o escritor a escrever? – Está aí naquela gaveta – O Rodas foi à gaveta e tirou de lá um livro com a capa de um cor-de-laranja muito carregado e mostrou-me:
O título era “Como evitar a droga?” – A capa estava geometricamente cortada em cima, faltava um bom bocado – O Rodas disse que tinha sido para fazer uns filtros – Abri ao acaso e surgiu-me uma página marcada com uma prata queimada na página 120, não decorei a que capítulo pertencia. O Rodas ligou a aparelhagem e acendeu um cigarro.

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Continuámos pelas galerias que a piscina nos oferecia, encontramos Cronos de calções, dois semideuses sem os dentes da frente nadavam em sentido contrário como Neptunos. Mais à frente descia o nível das águas, e passámos a caminhar no lodo, apareceu um guia da América central com um microfone preso ao pescoço, guiou-nos pelo Inferno com a sua voz de sopinha de massas – Em que círculo estamos? – Perguntei ao meu amigo, que era uma puma, e outras vezes uma mulher – Não estamos em nenhum círculo – Estamos por baixo da casa onde mora o Rodas: E mais à frente ali os ratos – Não são ratos, são homens que desceram na condição social – Disse o guia – A pirâmide, está a ver, aqui vemos pirâmides, pensamos em triângulos, vemo-los por todos os lados, ainda não somos capazes de assumir a natureza humana, sem hierarquias verticais – Mas o planeta é uma linha horizontal da qual o homem se aproxima na sua subida. Assim, não são ratos, são homens: Vivem como ratos mas são homens. Pedi um cigarro ao meu guia e ele falou-me de um homem sábio.

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Qualquer rato tem a sua mãe, e as mães dos ratos vão visitá-los à prisão e as namoradas dos ratos vão à prisão e fazem sexo com os ratos, e levam os filhos mais tarde para que os ratos vejam os seus filhos – E os ratos olham-se ao espelho – ansiosos por descobrir os mais Fundos Limites humanos e não vêm o espelho, vêm só um homem que são eles, obrigados a ter dignidade.

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O homem sábio era David Foster Wallace, disse-me o guia, que como qualquer homem é sábio: E isto deu-me vontade de rir, e não sei porquê imaginei os músicos ainda ligados por fios dourados em Neptuno a tocarem agora Bethoven – e lembrei-me da palavra “húmido” como adoro a palavra “húmido” como adoro tudo o que está húmido no corpo humano – como amo – tal como Milton – Tudo quanto fluí – e senti-me escorregar pelas galerias sem rumo e sem escolha do caminho entrando por umas saindo por outras auxiliado pela música:
A forma mais evoluída de literatura – David Foster Wallace escreveu em “raparigas de cabelos estranhos” uma pequena história sobre um grupo de amigos que vão assistir a um concerto de jazz, na segunda parte do espectáculo, dois deles saem (um deles é a personagem principal do conto) E o outro rapaz que tinha tomado LSD antes do concerto diz à personagem principal: De onde advém a tua felicidade natural? --- Se me explicares de onde advêm a tua felicidade natural deixo-te esporrar para cima de mim e da minha namorada – No conto a personagem principal sente-se embaraçada com a pergunta mas começa a responder, são cinco páginas completas a resposta dele, uma resposta insegura que não convence o outro que lhe diz – Falas-te muito, mas não me disseste de onde provêm a tua felicidade natural. A personagem principal sente-se derrotado na capacidade de diálogo, mas tenta uma última tentativa: Se eu te der 1000 dólares deixas-me ir com a tua namorada? – O amigo aceita. O conto acaba pouco depois, ficando em aberto essa hipótese que o fim da narrativa não permite saber se se concretiza.


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As estrelas do mar são virtualmente eternas
As medusas são virtualmente eternas
(Porque não têm sistema central, não pensam, sobretudo não reflectem, são só nervos e sensação, ponta e electricidade)

A capa estava geometricamente cortada em cima, faltava um bom bocado – O Rodas disse que tinha sido para fazer uns filtros – Abri ao acaso e surgiu-me uma página marcada com uma prata queimada na página 120, não decorei a que capítulo pertencia. O Rodas ligou a aparelhagem.

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