a um comboio em movimento. Já não suportava a cidade
com todas aquelas unhas diante da boca.
Agora estou aqui, pela minha terra, com meu irmão.
Aumentaram as casas desocupadas. Os mil e duzentos que éramos,
reduzidos a nove: eu, recentemente chegado,
Bina, Pinela, o camponês, meu irmão, enclausurado na casa velha,
Filomena, com o filho tolo
e três sapateiros reformados
sempre sentados na praça.
Os outros fugiram sabe-se lá para onde: América, Austrália, Brasil,
onde Fafìn, o louco, ia à caça com uma faca
e um dia matou um jaguar julgando ser um gato.
Em mil novecentos e vinte, um grupo de pedreiros
depois de seis meses de viagem com a cabeça pendida na borda de um barco
sobre o mar e a água de um rio que não terminava,
chegou à Muralha da China
que se havia degradado e reclamava pela mão dos pobres.
Antes de desaparecer para sempre, o pai de Bina, que estava com eles,
mandava notícias uma vez por ano
e até lhe chamavam «as cartas da China». Na primeira perguntava
por uma cabra que tinha febre no dia em que partiu,
na segunda contou que comera uma cobra,
na terceira falava de uma mulher que lhe cosia os botões,
a quarta estava cheia de gatafunhos como fazem as galinhas
na lama, para dar a entender que se tornara chinês
e esquecera tudo, também as palavras.
Os meus nunca saíram de casa: meu pai
vendia carvão
e minha mãe fazia as contas num papel pardo.
Como não sabia ler nem escrever marcava linhas direitas
para a gente magra e redondas para os clientes gordos.
Os números tinha-os dentro da sua cabeça e quando pagavam
riscava-os com uma cruz.
O ar daqui é bom e a água corre por abundantes regatos.
Carros não há e os cães estendem-se no meio das estradas.
- Tonino Guerra
(tradução de Mário Rui de Oliveira)
in O Mel, Assírio & Alvim
1 comentário:
Não quer trazer para aqui O livro das igrejas abandonadas?
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