segunda-feira, abril 19, 2010

A Tília

A Tília acabou por crescer, ao fim de muitos anos. Foi plantada junto ao tanque, onde preparávamos os componentes químicos do tratamento das videiras. Nos dias curtos, eu não gostava dessa árvore. Era como se a minha solidão chegasse sempre mais cedo, logo depois do almoço. A Tília era como uma criança a merecer cuidados, sorrisos, atenção por parte de quem se cruzava com o verde, e nele repousa ou despede.
No ano em que o pinheiro grande foi cortado, por se encontrar junto à casa, ganhei uma afeição especial pela Tília. Tornara-se a minha única companheira, a que compreendia a derrota dos exames e as discussões com os meus pais. Eu não suportava o facto de não ter um pinheiro na minha vida, de não ter sombras projectadas nas paredes, de não correr o risco de os ramos destruírem as janelas de sacada e os estendais virados a nascente. As famílias que vão evoluindo ou seja, as próximas gerações vão gostando de certas modificações - renovam os talheres, deitam fora as fotos de família e constroem pinturas abstractas expostas em rede, para que os primos virtuais possam dizer parabéns, que grande evolução.
Mas eu nessa época gostava da Tília. Conversava com ela e pensava no modo de sentir desta árvore. Ao fim da tarde, quando ligava a mangueira e regava o jardim e o pomar, sentia as folhas a rirem um pouco. A suas raízes cresciam mais fundo dentro da minha consciência de estar perto da Tília e de gostar deste modo de estar. Cresce, Tília, cresce. E a Tília crescia dentro da minha consciência de gostar muito dela. Eu sentia que o seu crescimento era o meu sorriso, a minha vibração de poder ver o verde e saltar mais rápido para uma bicicleta. A Tília fazia-me chegar à minha juventude e, à mesa, ao pegar num talher ou num guardanapo, a minha mãe sabia que aquele momento era um pouco o momento da Tília sentada à mesa, a pedir tempo esguio e céu e quintal.
Como eu gostava da Tília. A Tília ainda existe mas está um pouco mais só. Tenho prestado atenção a outros jardins, mas não amo tanto as outras Tílias. As outras Tílias são de outras pessoas, mas são bonitas como a minha. Mas, claro, têm uma beleza diferente. Quando olho para elas, vejo o verde luminoso dos seus ramos, mas não sinto tanto a sua vibração. Já não sou tanto eu, já não são os meus pais a cortarem o pinheiro gigante. Estas tílias não têm bicicletas, nem muros de calor, nem poentes, nem tripas de porcos, nem coelhos mortos, nem histórias de filoxera, nem doenças congénitas de avós, nem dramas de letras por pagar, nem casas arruinadas de caseiros ou gente igual ou desigual. Estas Tílias são somente Tílias. Crescem num jardim de muitas histórias.

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