quarta-feira, abril 21, 2010

É ela, sim.
A rapariga que vi uma vez saindo de um comboio
Naquele apeadeiro que foi demolido.
Tenho a certeza.
Continua com ar fulminante
E saltos altos.
Esta rapariga - não sei se sabem - ainda hoje é motivo de procura.
De faces bem fixas, ergue
De vez em quando
A cabeça
Como quem procura alguém que desceu, neste preciso momento, de uma carruagem.
Está aparentemente convicta de estar na cidade certa
No encalço de alguém que desceu de um outro lugar.
A rapariga vai ter (reparem) com o bagageiro
Pergunta qualquer coisa, mostrando a carteira (talvez um retrato)
E depois sai com ar aparentemente calmo,
Aparentemente vacilante
Entre um novo destino -
Um comboio,
Um café
Um homem que a observa à luz
Desta gare de saltos altos,
Lendo um jornal
Cruzando a pequena manchete
Com pernas pouco literárias.

A rapariga é motivo de procura.
Agora está um pouco mais envelhecida, mas é ela, sim.
Depois de tantos anos, desce de uma carruagem
E tem a certeza de estar na cidade certa
Ao fixar os pés.
Caminha pela gare (reparem).
Há qualquer coisa de indiferente nos saltos altos
Que ainda conservam esse ar fulminante
Aparentemente decidido
Entre um piso certo
E outro certo, igualmente.

Ergue a cabeça
Pergunta pela bagagem
E,
Finalmente,
Sai da estação.

Depois, lá fora, rasga uma fotografia.

O bagageiro observa estes saltos altos
No momento em que um bando de pombos passa
Entre o homem das castanhas,
O cais de embarque
E o aviso de um comboio com alguma demora.

Aí,
O bagageiro observa a rapariga descendo de uma carruagem
Com um ar de quem chega à cidade certa
Pela primeira vez.

(Neste preciso momento
Um bando de pombos cruza o Tejo
Com o homem das castanhas
E um barco a deixar o cais).

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