As coisas do Estado e da Cidade não têm mão sobre nós. Nada nos importa que os ministros e os áulicos façam falsa gerência das coisas da nação. Tudo isso se passa lá fora, como a lama nos dias de chuva. Nada temos com isso, que tenha que ver ao mesmo tempo connosco.
Semelhantemente não nos interessam as grandes convulsões, como a guerra e as crises dos países. Enquanto não entram por nossa casa, nada nos importa a que portas batam. Isto, que parece que se apoia num grande desprezo pelos outros, realmente tem apenas por base o nosso apreço céptico por nós próprios.
Não somos bondosos nem caritativos - não porque sejamos o contrário, mas porque não somos nem uma coisa, nem a outra. A bondade é a delicadeza das almas grosseiras. Tem para nós o interesse de um episódio passado em outras almas, e com outras formas de pensar. Observamos, e nem aprovamos nem deixamos de aprovar. O nosso mister é não ser nada.
Fernando Pessoa (Bernardo Soares), Livro do Desassossego, Relógio D'Água, 2008
(retirado daqui)
domingo, abril 25, 2010
«declaração de diferença»
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