quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Posfácio

Os poetas, repito,
são os piores de todos nós.

Já alguma vez viste, por exemplo,
um poeta de dedo em riste
a escorraçar Deus da sua vida?

O dedo é um ceptro,
escorre autoridade.

Terminado o esconjuro,
o poeta sacode-se do pó
da debandada de Deus
assim como quem diz
"este já está, venha o seguinte",
convencido de que não há seguinte.

Mas há seguinte, e vem.
E reata-se a espiral do entremez.

Rectifico: os poetas, tigres de papel,
não são os piores de todos nós.
Serão talvez
os que mais se amotinam,
os que mais armadilham as palavras —

mas isso come Deus todos os dias
ao pequeno-almoço.

- A.M. Pires Cabral
in As Têmporas da Cinza, Cotovia

Sem comentários: