quinta-feira, fevereiro 11, 2010

A melga

Matei a melga que me destroçava a noite.
Um golpe matreiro de toalha —
e resta um vestígio escarlate na parede,
só na aparência inofensivo.

É certo que
a melga perdeu de uma só vez
o clarim e a seringa.

Uma morte minúscula
e pouco estrepitosa
e — do meu ponto de vista —
muitíssimo oportuna.

Porém, o vermelho do sangue
(que por acaso era meu)
ficou noite fora a gritar na escuridão.
O quarto cheirou a morte
ainda durante muito tempo.

Tal como cheirará — calculo —
quando a toalha colérica de um deus
a quem, melga, perturbar o sono
com o tosco cornetim que me tocou em sorte
me esborrachar contra a parede,
expondo o sangue
(que por acaso também será o meu).

- A.M. Pires Cabral
in As Têmporas da Cinza, Cotovia

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