terça-feira, janeiro 26, 2010

É quando suspeitamos da nossa identidade
que a escrita fecha a vida
em túmulos minúsculos no templo
duma refeição de pé,
num ofício reles, inacabado.
Muitas vezes não passa dum romance ébrio
que a nós próprios narramos
nas noites inquietas e nas crises de angústia
mais precipitadas.
E nesses espaços ínfimos
que são opulentos vasos de cicuta
fingimos que dançamos, ousamos que bebemos
e julgamos que ouvimos a voz feliz
de deus, sujeita a transfusões,
às cargas e descargas
das ternas libações duma mesa de Outono.
Assim a natureza nos provoca
sabendo que a distância
entre a mão que escreve e o olhar que lê
é infinita.
Por isso nos seduz o cão da morte.
Como se fosse a vida que conformada insiste
e ataca ao entardecer
depois dum filme russo que era só névoa
só sobre vivência.

- Armando Silva Carvalho
in O que foi passado a limpo, Assírio & Alvim

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