OS ALMAVIADAS
Sem culpa, aproximam-se das praias,
não querem inventar seja o que for
que não seja o prazer de estarem vivos.
Extenuados riem,
e um cão que nada ao longe apoquentado,
faz chorar de ternura os olhos deles
que os óculos de sol transformam em imagens
cruéis e passageiras.
Não lerão nunca este poema,
não sabem, nem desejam saber
que Ulisses se perde às mãos de Joyce
como o mundo se perde às ma~so de Deus.
Eles nascem da indiferença.
São os assassinos puros da Verdade
e verdadeiros profetas denunciam que o Rei,
o grande Rei das putas pensativas,
está nu, está velho e lambe os beiços
na única toalha que lhe resta:
estes versos inúteis do remorso.
Filhos do Instante, dominaram a Esfinge
que agora nos cinemas se exibe já lograda.
Penteados e calmos abrem os braços
às sedutoras ondas da preguiça.
Estão na minha tarde à luz fria do Sol
e matam os Heróis à minha frente.
Como um farol demente a cabeça do Tempo
rebola incontrolada.
A matéria mais frágil é mais potente
que toda esta memória amedrontada.
Filhos da lua dúbia
cavalgam sem parar suas velozes damas
e vão fazer amor sobre os ossos dos mortos
entre copos de espuma.
Eu dava a vida inteira
por um complexo de Édipo
que o grupo americano engole
em coca-cola.
Mas Freud está com sono
e Tirésias consegue por fim
recuperar a vista.
Sem culpa – o temor dos deuses
não povoa os seus sonhos.
Netos da Hora, filhos do Segundo,
são eles afinal que dão desejo ao mundo
e na tarde do mar o som das suas bocas
faz que tombe do céu o último sinal.
Vê-lo chegar será para a minha alma
um balouço de cinzas
onde a criança oscila, oscila
até tocar o fogo.
- Armando Silva Carvalho
in O que foi passado a limpo, Assírio & Alvim
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