Há muitas histórias nesta "História do Quotidiano do Outro Lado da Cortina de Ferro" de Peter Molloy. Algumas são dramáticas, outras divertidas. E depois há a história de Regina Kaiser & Uwe Karlstedt, que aqui tentarei resumir.
No dia 6 de Abril de 1981, com trinta e um anos, Regina foi presa em Berlim Leste, juntamente com o marido, e levada para a sede da Stasi. Desorientada com o que lhe estava a acontecer, viu a porta da sala de interrogatórios ser aberta por um jovem interrogador. Era Uwe Karlstedt. Regina conta, na primeira pessoa, o que se passou:
"A princípio, não encarei o meu interrogador. Baixei os olhos mas reparei que ele vasculhava à procura de uns documentos. Estava muito tenso e nervoso. Depois, olhei para ele e creio que ele também olhou para mim. Então, pensei: "Uau!" Não sei porquê, talvez fossem os seus olhos, sabia que isto era uma magia inexplicável. Fiquei absolutamente chocada e baixei o olhar. Nunca sentira nada assim. Fiquei como que a pairar. Durante uns segundos, ouvi anjos a cantar ou qualquer coisa do género."(p. 172).
Ou seja, inexplicavelmente Regina acabara de se apaixonar por Uwe.
Mas a história continua e ficamos a saber que também Uwe se apaixonou por Regina: "Achei-a logo maravilhosa e apaixonei-me por ela. Tive de fazer um esforço para manter a compostura. Mas felizmente Regina baixou a cabeça outra vez para que não nos fitássemos e consegui concentrar-me no meu trabalho. Queria reprimir os meus sentimentos."(p. 173).
Nos dias seguintes, os interrogatórios foram decorrendo e Regina e Uwe desempenharam os respectivos papéis de interrogada e de interrogador: quem redigia os panfletos contra o governo, quem os distribuía, onde, por quem, etc., perguntas que escondiam os sentimentos de um pelo outro. Por fim, no último interrogatório, Uwe ganhou coragem para se declarar a Regina. Estupefacta, ela revelou-lhe igualmente a sua paixão. Na solidão da sala do interrogatório, tocaram na mão um do outro. De seguida, apressadamente, beijaram-se. "Depois, ficámos ali sentados, sem dizer uma palavra. Nem sequer nos encarámos; olhámos de soslaio porque nenhum de nós estava preparado para aquela situação", conta Regina (p.175).
Julgada e condenada, Regina passou três anos, um mês e duas semanas numa das prisões para mulheres do estado operário e socialista da RDA. Não sabia nem voltou a saber nada de Uwe Karlstedt. Na verdade, nem sequer sabia que ele se chamava Uwe Karlstedt.
Só em 1997, treze anos depois de ter sido libertada e oito anos depois da Queda do Muro, é que Regina soube o nome do seu interrogador. Depois de uma busca exaustiva na lista telefónica, contactou Uwe, agora casado e com filhos.
A primeira reacção de Uwe a este contacto de Regina foi de negação e de rejeição. Mas ela escreveu-lhe uma carta recusando qualquer intenção vingativa. Então voltaram a encontrar-se e "registou-se um novo "estrondo"!", nas palavras de Regina. Abraçaram-se. "Durante muito tempo não conseguimos fazer mais nada excepto abraçarmo-nos."(p. 176).
Mas havia outras coisas a fazer e eles fizeram-nas. Divorciaram-se dos seus antigos companheiros e casaram-se no dia 16 de Outubro de 2006.
Gostava de ver esta história (e todas as outras) contada na televisão portuguesa.
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