que um corpo triste
é um pleonasmo enorme. Deita-te
à sombra dos versos
como se as cidades fossem perdoáveis,
como se houvesse um nome,
esse nome fosse teu
e resplandecesse em sonora treva.
Despeja os cinzeiros com prudência
antes de o sono não te responder
e convoca o silêncio possível,
enquanto num televisor próximo
a guerra se adia e os olhos esmorecem.
Podes sempre fingir que não vês
nem ouves o céu sulcado de enjoo,
os gritos mortais das crianças.
Um dia na vida, alugado, apesar
do relógio da vizinha,
sempre tão certo, e do autoclismo
a pingar, também certo,
a dizer-te uma qualquer coisa nula
que deitas fora junto com os cigarros de ontem.
Tens tempo para o teu testamento,
esse último poema sem destinatário
(e não te perguntes o que irá o Estado
fazer com tanto Bach e família,
pois nessa altura estarás
finalmente surdo). Alegra-te
com o vento inerte de Junho, a saudar-te
entre latidos de cães alheios.
E, sobretudo, não procures nunca saber.
- Manuel de Freitas
in Os Infernos Artificiais, Frenesi
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