quinta-feira, dezembro 10, 2009

O artista deve regulamentar a sua vida.
Aqui vai o horário exacto dos meus actos diários:
Levantar: 7.18; inspirado: das 10.23 às 11.47.
Almoço às 12.11 e deixo a mesa às 12.14.
Passeio saudável a cavalo, no fundo do meu parque: das 13.19 às 14.53. Nova inspiração: das 15.12 às 16.07.
Ocupações diversas (esgrima, refexões, imobilidade, visitas, contemplação, destreza, natação, etc.): das 16.21 às 18.47.
O jantar é servido às 19.16 e concluído às 19.20. Seguem-se leituras sinfónicas, em voz alta das 20.09 às 21.59.
Deito-me regularmente às 22.37. Uma vez por semana, acordo sobressaltado às 3.19 de terça-feira.
Apenas como alimentos brancos: ovos, açúcar, ossos raspados; banha de animais mortos; vitela, sal, noz de coco, frango cozido em água branca; bolor de fruta; arroz, nabos; salsicha de cânfora, massa, queijo branco, salada de algodão e de certos peixes sem pele.
Faço ferver o meu vinho, que bebo frio com sumo de fúcsia. Tenho óptimo apetite; mas nunca falo enquanto como, com medo de me engasgar.
Respiro com cuidado (pouquinho de cada vez). Danço muito raramente. Ao caminhar, seguro-me nas costelas e olho fixamente para trás.
De aspecto muito sério, se rio não é de propósito. Peço sempre desculpa e com afabilidade.
Durmo apenas com um olho fechado; o meu sono é muito difícil. A minha cama é redonda, com um buraco para a passagem da cabeça. Hora a hora, um criado tira-me a temperatura e dá-me logo outra.
Desde há muito que assino um jornal de moda. Uso um boné branco, meias brancas e um colete branco.
O meu médico sempre me aconselhou a fumar. E acrescenta aos seus conselhos:
— Fume, meu amigo; se não o fizer, outro qualquer fumará na sua vez.

- Erik Satie
(tradução de Anthero Monteiro)
in Mémoires d’un Amnésique

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