quinta-feira, outubro 29, 2009

Valsa do aniversário

Não há nada tão doce como um quarto
para dois, quando já não nos queremos demasiado,
nos arredores da cidade, num hotel calmo,
e casais duvidosos e uma criança com gânglios,

se não é esta leve sensação
de irrealidade. Algo como o estio
em casa de meus pais, há algum tempo,
como viagens nocturnas de comboio. Chamo-te

para dizer que não te digo nada
que já não saibas, ou talvez
para beijar-te vagamente
mesmo nos lábios.

Saíste da varanda.
O quarto escureceu
enquanto nos olhamos ternamente, contrafeitos
por não sentirmos o peso de três anos.

Tudo é igual, parece
que não foi ontem. E este sabor nostálgico,
que os silêncios nos põem na boca,
possivelmente leva-nos ao equívoco
de nossos sentimentos. Mas não
sem alguma reserva, pois sob isto
algo mais forte vence e é (para dizê-lo
talvez de um modo menos impreciso)

difícil recordar que nos queremos,
se não for com certa imprecisão, e o sábado,
que é hoje, fica tão próximo
de ontem ao fim do dia e de depois

de amanhã
pela manhã...

- Jaime Gil de Biedma

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