Poesia e prosa juntas no mesmo jacto, na mesma destreza, na mesma ironia e verve. Camilo, nas cartas mais torturadas, para se libertar da adversidade e do revólver bulldog com que andava a ameaçar a morte dele, escreveu também poesia. Alguns contos de Torga pertencem à sua poesia mais genuína. As narrativas de Borges têm densidade igual à dos poemas, e o mesmo se diga das crónicas de Bandeira, de Cecília e Drummond em relação à poesia deles. O poeta Octávio Paz é também um dos maiores ensaístas do nosso tempo. Poesia e prosa vivem paredes-meias, interpenetram-se, quando não coabitam na mesma pessoa, como sucede com Régio e Nemésio, Sophia e Eugénio de Andrade. Trocar a poesia pela prosa era uma falsa questão para Montale, que continuou com as duas. O verdadeiro problema é ainda o de fundi-las.
(Último parágrafo de "Um inimigo da poesia", texto de "Crónica da fortuna", in A luz fraterna: poesia reunida (1965-2009, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009, p. 393).
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