sexta-feira, setembro 25, 2009

Escrevia a giz nas paredes as obscenidades que
via nas retretes do cais. Cruzava a cidade a partir
de um olhar, mas estava sempre do outro lado de
um inventário, realidades, propósitos escondidos.
Reinava sobre a nossa vida como o campo de acção
envolve o homem comum, o saber dizer na perdida
liquidez de uma cidade.

Escrevia sobre os gestos adivinhados de quem
esquece, sobre a mesa do conhecido na véspera,
nos cafés e nas ruas pelas tão tristes horas do dia.
Estava ali, apanhado; parecia um mecânico, um
amanuense pousando para um retrato
sob o soluçado escrito na parede branca. Depois,
os desejos são tanta vez um número de telefone, as
esboçadas flores das árvores do jardim, um barco
que se viu partir do cais do Tejo para a noite.

Dava voltas e voltas ao largo, círculos cada vez
mais fechados à roda do cruzeiro. Rápido encostava a
bicicleta ao muro onde, por detrás, os seus jardins são
projectos abandonados e parava, assim, como acabara
de o fazer na véspera; muito igual e sem título.

- João Miguel Fernandes Jorge

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