sexta-feira, agosto 21, 2009

Desenraizados

Chega de mar. Já vimos mar que chegue.
Ao entardecer, quando deslavada a água se estende
e esfuma no nada, o meu amigo olha-a fixamente
e eu fixo o meu amigo e nenhum de nós fala.
Chegada a noite, acabamos por nos fechar nos fundos de uma taberna,
perdidos no meio do fumo, e bebemos. O meu amigo tem sonhos
(o bramir do mar torna os sonhos um tanto monótonos)
em que a água é apenas o espelho, entre uma ilha e outra,
que reflecte colinas salpicadas de flores selvagens e cascatas.
Quando bebe, dá-lhe para isto. De olhos postos no copo,
vê-se erguer colinas verdejantes sobre a planura do mar.
As colinas, a mim agradam-me; e deixo-o falar do mar
porque a água é tão clara que se vêem mesmo as pedras do fundo.

Eu, o que vejo é só colinas, e enchem-me o céu e a terra
com as linhas nítidas dos seus perfis, distantes ou próximas.
Mas as minhas são agrestes, estriadas de vinhedos
que crescem penosamente num solo calcinado. O meu amigo aceita-as
e quer vesti-las de flores e frutos selvagens
para nelas descobrir, entre risos, raparigas mais nuas que os frutos.
Não é preciso: aos meus sonhos mais agrestes não falta um sorriso.
Se amanhã, cedinho, nos metermos ao caminho,
poderemos encontrar nessas colinas, no meio das vinhas,
uma rapariga de pele morena, tisnada pelo sol,
e, talvez, metendo conversa, comer-lhe algumas uvas.

- Cesare Pavese

7 comentários:

casa de passe disse...

curioso...

ainda há pouco, lendo sobre um poema de Arthur Rimbaud, dei de caras com referências a Pavese.

coisas que nos chegam às mãos

durante o

relaxar

de férias !


(Loulou)

Tatiana Faia disse...

curioso, como é que um autor morto em 1891 (Rimbaud), pode fazer referências a um autor nascido em 1908. Não será mais ao contrário? Caso contrário, isto há lá coisas!! Mafioso do Rimbaud, em 1891 já andava a copiar o Pavese. lol...

Diogo Vaz Pinto disse...

"lendo sobre um poema de Arthur Rimbaud"

O comentário dá a entender que leu essas referências nalgum texto sobre um poema de Rimbaud - de modo nenhum cai no erro de afirmar uma referência do próprio a Pavese. Além de atento, convém estar-se de boa-fé na hora de interpretar.

Tatiana Faia disse...

Olha, pois foi, não vi. Lendo sobre, peço desculpa. Lol.

Tatiana Faia disse...

Nada de má fé, Diogo, escapou-se só o sobre. Fazia toda a diferença, de modo que perdi uma boa oportunidade de estar calada.

Abssinto disse...

Lavouro stanca...

Lugar da Pele disse...

http://canaldepoesia.blogspot.com/2009/08/cesare-pavese-desenraizados.html

idem

é só pegar e colocar. se calhar conheces tanto de pavese como eu de ponto de cruz.