Snakes on a Plane - ou o elogio da poesia concreta (2006)

Snakes on a Plane: o melhor filme blaxploitation-meets-nature-run-amok-meets-demasiada-parvoíce de finais de inícios dos 80 que, por acaso, é de 2006.

As bases do argumento são simples. Uma testemunha ocular de um crime que um mafioso quer ver morta, uma viagem de avião que vai apinhado de gente, um porradal de cobras e o Samuel L. Jackson. O que complica tudo é o bem que o pessoal que fez o filme pôs todas essas bases a interagir. Abordemos o filme a partir destas interacções.

Mafioso vs Avião apinhado de gente - De tiros na nuca execution style a verterem cimento nos pés dum gajo para ele se afogar no Hudson, já tinha visto mafiosos a matar gente de várias formas. O mafioso deste filme é especial. Como o gajo quer mesmo matar a testemunha ocular do crime e não quer deixar pontas soltas nem margem de erro, escolhe um método reconhecidamente eficiente: soltar uma cambana de bichinhos rastejantes e venenosos num avião e borrifar o pessoal com uma mistela qualquer que põe os bichinhos em modo Binya meets defesa do Porto em meados dos 90. Eu próprio já tentei este método de matança com a minha assistente de Direito Comercial. Infelizmente só lhe consegui matar a avó e provocar-lhe uma apendicite aguda.

Avião vs Cobras - Antes do avião levantar voo, a caixa onde vão as serpentes não tem mais que dois metros de altura por um metro e tal de largura. Curiosamente, quando a caixa se abre saiem de lá uma catrefada de cobras. Nada de errado, a cobra é um bicho normalmente pequenino e maleável. O problema é que de entre as várias cobras, lá aparece uma espécie de anaconda ou giboia e uma Burmese Python que, por acaso, só estão entre as seis maiores cobras que existem. Então, temos o seguinte: o mafioso encheu uma caixa não muito grande com uma brutalidade em termos de número de cobras, sendo que duas delas são estupidamente grandes. Logo, querem-nos convencer que uma cambada de cobras todas apertadas numa caixa, dentro dum avião onde as pessoas foram borrifadas com a tal mistela que as põe agressivas não se mataram umas às outras antes da caixa se ter aberto.

Cobras vs Gente que vinha no avião - Neste campo a estupidez é mais que muita. Destaco apenas uma. A tal cobra grande engole uma pessoa. Até aqui tudo bem, a wikipédia confirma-me que elas podem fazer isso. O problema é que instantes depois a cobra já fez a digestão e está toda divertida a rastejar pelo avião. Como nunca vi garrafas de água das pedras durante o filme, cheira-me que o realizador fez disparate. Ou então estava a fazer uma referência a um realizador português contemporâneo.
Ah, já me esquecia disto. Uma das vítimas é mordida enquanto estava a mijar. Pela frase que vou citar a seguir dá-me ideia que vão conseguir visualizar a cena. Aw, fuck! Fucking bitch! Get off my dick! Aw, fuck! Fuck.
Claro que a bitch é uma cobra e não a Chloe Sevigny no Brown Bunny.

Cobras vs Samuel L. Jackson - Aqui apenas um detalhe. Durante a gravação do filme o homem que, entre outras coisas, fez de Shaft e de Jules Winnfield, não esteve sequer perto duma cobra. Aliás, fez parte do contrato que nunca estaria a menos de oito metros duma cobrinha. Desde que soube isto, o Samuel L. Jackson desceu ao nível do gajo de Highschool Musical na minha escala de durões de Hollywood. Já não se fazem durões como o Nicolau Breyner, é o que vos digo.

E, por último...

Samuel L. Jackson e outro gajo vs Avião - Não que seja algo muito original em Hollywood pôr um gajo sem qualquer experiência de voo a pilotar um Boing em despressurização. Neste filme tudo isso é levado ao limite. O gajo que faz aterrar o avião tem experiência de voo num jogo de Playstation. Enfim, quase tão pós-moderno quanto os comentários judiciais do Moita Flores.

P.S. O momento de viragem na narrativa dá-se com uma daquelas frases que marcam a história do cinema: Enough is enough! I have had it with these motherfucking snakes on this motherfucking plane!