quarta-feira, janeiro 21, 2009

In bloom

Começa-se
descansando um gemido no papel,
uma leve agitação que espera
ainda algum significado, as palavras
roçando-se umas nas outras
aqui onde venho dizer
eu e pouco mais. Se quiser fazer tempo
falo de crianças longe de casa, fugindo
de qualquer forma, por brincadeira e
porque é necessário, como piões rodando
de ânsia, passando bem por cima
dos fúteis despejos em que a cidade
se arrasta. Escrever, por mais
que nos envelheça,
não deixa de ser uma infantilidade.

Como o Cesariny pôs as coisas
acho muito fácil entender: crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício…
E esperamos.

A televisão demora mas arruma-nos
na sua agonia colorida, de outro modo
vamos vagueando nas traseiras de algum des-
consolo e podemos levar uma tarde inteira
para desarmar um silêncio,
com distâncias medidas à pedrada,
a latas ou cartazes,
qualquer alvo onde se abra
o sorriso de alguém, um candeeiro
se estivermos mais para estragos
ou até a montra de uma loja,
levando à risca este desprezo
pela ordem pública.

Podia adiar-me quieto, calmo,
molhando de bom senso as ideias
e abafando o eco intestinal destas horas,
dias que nascem como gestos calculados
pela morte, tudo aquilo que
nos leva ao vómito de uns versos.
Podia, mas eu gosto muito mais
deste sangue hostil que sofre pesadelos,
das vítimas que fazemos
entre declarações de amor e de guerra
e das musas que vêem as marés encher
e vazar-lhes os pulsos quando as envergonhamos
com os nossos excessos, comparações
e metáforas.

Chamo de volta as crianças para o poema,
com as suas cabeças giratórias, insinuantes,
salivando em todas as direcções.
A roupa e os olhos tão sujos, ligados
a deslizes e transcendências que
se decidem apenas
quando mais ninguém está a olhar.
Electrizadas, cada uma fareja, assusta,
persegue e agarra, se puder, um estilo só seu,
a flor derradeira abrindo-se-lhes nas mãos.

Putos eloquentes, passadores de luz e sombras,
sílabas e drogas, vão subindo aos ombros
da imaginação, roubam o fogo
e incendeiam-se
por uns minutos de beleza.

3 comentários:

marta (doavesso) disse...

gosto muito da natureza deste poema.gostava de te dizer mais, mas ao contrário dos putos, não ando nada eloquente...
beijo

Artur Corvelo disse...

vamos vagueando nas traseiras de algum des-
consolo e podemos levar uma tarde inteira
para desarmar um silêncio,
com distâncias medidas à pedrada,
a latas ou cartazes,

gosto particularmente desta parte. está muito bom, para não variar. abraço

Daniel Ferreira disse...

Este poema deixa transparecer uma ambiência que surpreendentemente, tendo em conta o contexto, nos embala e nos faz (devia falar por mim) sonhar, sobrepondo-se ao pesadelo possível.

abraço!