quarta-feira, dezembro 24, 2008

Com votos de boas festas
para aqueles que nos visitam

Estávamos a esquecer-nos tão depressa porque é
que a morte era uma ideia assim
tão triste, quando apagámos um nome
da lista de contactos
no telemóvel e nos tentámos lembrar
de coisas como o som da sua voz, ou de como
gostaria de ser recordado,
aliás, (a palavra certa é outra) esquecido.

Então Abril chega e é só mais um mês,
e a primavera rebenta cada vez mais distante
dos nossos gestos. Não contamos os cabelos,
mas vê-se bem que são cada vez menos
e a juventude, essa foi uma piada que na altura
não entendemos, e agora é já um pouco tarde
para nos começarmos a rir.

A manhã abre um parêntesis enquanto ponho
a chaleira ao lume, pego num livro
que larguei ali. Aborreço-me
com os temas elevados e o modo inspirado
como trocam impressões as personagens
deste escritor.
Gostava que Deus existisse e nos visse assim,
de pijama na cozinha, remelosos e vazios,
à espera da primeira chávena de café
e de algum twist no enredo destes dias
que vieram até aqui.

De volta ao quarto onde dorme ainda
a cinderela da noite passada,
vou rabiscando umas linhas, uma metáfora
molengona, a ver se colo duas estrofes
que não se entendem entre elas.
Por motivos óbvios penso na mão
que subiu pela saia da Mona Lisa
e lhe ensinou aquele sorriso,
é necessário ter tacto com coisas destas.

A gata borralheira finalmente acorda,
falamos durante alguns minutos que
não consigo passar para aqui
e, depois de umas tiradas
dessas que vêm nos manuais, deixei-me des-
contrair, e vindo de uma rápida associação de ideias
fui meter o pé numa piada de mau gosto,
um parque de infância com muitas crianças,
todas tão indesejáveis, e uma recomendação
relativa ao uso de contraceptivos.

Ela demorou algum tempo a organizar-se,
deixou-me um olhar cheio de barcos a afundar
e foi-se, à procura de outra cama e de um príncipe
mais inclinado para finais felizes, ainda que
de curtíssima duração.

Estas coisas acontecem por uma boa razão,
acho eu. Mas o meu timing continua a não ser
dos melhores. Até por aí
me achego mais a versos, nestes cadernos
de exercícios onde marcamos encontros às cegas,
em lugares onde às tantas até é indiferente
se mais alguém virá ou não.

Em que é que estás a pensar?
Tira uma nota mental, espera, tenta enviar
por telepatia. Ou trauteia uma canção qualquer,
uma fácil e pode ser que me fique no ouvido.
Sabes que dizem que é preciso matar o autor
para que o leitor possa nascer. Anda,
mata-me um pouco mais…
De qualquer modo não tenho já
muito por onde ir. Agora estou para aqui,
com este coração meio-deixa-andar,
lambido por suores frios, entre esperma e cinzas
nestes lençóis, nas gengivas deste fim de manhã,
escrevendo, passeando, como quem assobia
e tem agarrado pela trela algum abismo,
um desses animais que apanham o que atiramos
e vão suportando a nossa companhia.

2 comentários:

Abssinto disse...

"Guess you dreams always end.
They don't rise up, just descend,
But I don't care anymore,
I've lost the will to want more,
I'm not afraid not at all,
I watch them all as they fall,
But I remember when we were young."

Insight

Boas Festas.

mar disse...

um dia não haverão boas ou más festas, porque todas as festas serão uma corrida ao nosso encontro.
um beijo
deste
mar.