Por esse tempo lia Céline e bebia brandy e
deitava-me muito tarde porque não estava
só. Os cafés enchiam-se com pessoas que
tinham desistido como eu das casas da costa,
onde eram calmos e propícios os grandes
jardins. Uma vez, em conversa com Isadora
Duncan, perguntávamo-nos se era esta a mais
desesperada geração que conhecíamos e ela
acabava por concordar com a opinião desolada
que em mim se formara. O sol ultrapassava
os prédios e descia, adormecido na sua morte,
o boulevard, e víamos os seus lábios belíssimos
de cor violeta, e quase nos amávamos naquele
lugar. Um anarquista deixou nesse
dia uma bomba numa das mesas e Isadora
morreu em consequência de uma ferida espessa
no cérebro. Vi os enfermeiros que a levavam,
cantando uma canção de armstrong e não me
cansava depois de repetir docemente, à hora
da tarde, o áspero refrão.
Continuei, depois, a ir à redacção do “Aesthète” onde
procurava em vão publicar poemas sobre as
horas absurdas que passava então, lendo
céline, bebendo brandy e deitando-me
muito tarde porque não estava só.
- Rui Diniz
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