Os inocentes são por assim dizer
as musas dos criminosos.
Herberto Helder
Ao voltar a casa, o confronto com tudo e nada.
Este metro e oitenta, mais uns trocos,
por baixo de roupas de menino lisboeta:
a camisa sempre de tons claros aproveitando
uma ou outra mancha, as calças meio
coçadas como se soubessem o que são
grandes distâncias, no fim
os meus sapatos abismados e a grogue
sombra que de muletas me segue.
Por muito que tentemos manter-nos longe
dos poetas de centro comercial, recorrendo à digna
antiguidade destas ruas, não temos ainda
um lugar que seja nosso e mesmo as cervejas
vão fazendo cada vez menos por nós.
Tenho um mal estar crónico sem recreio,
estou cansado destes baloiços e do pequeno escorrega
e já sinto que os meus versos raramente se sustêm
a mais que um passo da desistência.
Tenho ido para a cama com mulheres
de ossos tão frágeis que nem sei se desaparecem
ou se as esmigalho durante o meu sono convulso.
Acordo sempre tão sozinho.
E sei que somos pouco interessantes e que giramos
à volta de um eixo fictício, talvez porque no fundo
não haja assim tanto sobre o que escrever.
Uma redenção estética é tudo o que peço.
Imagino que esta caneta é como a pichota
de um miúdo que mija contra
um caracol na parede e segue depois de o derrubar,
faltando às aulas, indo por outros caminhos.
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