quarta-feira, outubro 08, 2008

Tear jerkers

Estou aqui à espera que me ligues
para me dizeres que está tudo bem
e que voltas no final da semana, cheia de saudades.
Aqui entre armas destruídas, enfeites da solidão,
uma caneta e um dicionário,
com um demónio a ditar-me as suas memórias
enquanto pisa para lá e para cá o meu estômago –
daí talvez esta intensa sensação de azia.

Sei que te tratei mal e tu sabes que sou
bipolar, fácil de incriminar por coisas sem importância
entre outras que não passam de acusações falsas.
Não vou a lado nenhum, estou aqui
a folhear revistas cor-de-esquecimento
enquanto a ironia me dissolve. Sinto
impulsos derrotados e a dizimação pela escrita
de algumas ideias que julguei serem interessantes,
velhas estrias num sorteio de sílabas e outros
mais vagos distúrbios.

Sento-me na cama e bebo concentrados e sumos com gás,
passo a tarde a fumar charros e a ver desenhos animados,
e sei que por esta altura devia deixar de ser um puto,
mas para me tornar o quê?

Encosto à boca intrusos, sorrisos
forçados que se aguentam mal
e estremecem
logo que me perguntes de novo o que estou a fazer da vida.
Muito pouco, quase nada. Se queres saber
acho que esta dor na bexiga
já é alguma infecção urinária e também estou a contar
que a diabetes me apanhe antes dos trinta,
depois logo hei-de preocupar-me
com esses mais óbvios sinais
que a morte espalha no nosso caminho.
Por agora já fico contente quando não mijo fora
dos limites da sanita. Às vezes até me sento
e faço-o como as senhoras.

Desde que comecei a ler por gozo
(isto há coisa de dois anos) ando a ver cada vez pior ao longe.
Às vezes penso nas vantagens que isso me pode trazer.
Talvez um dia me apaixone
por um borrão qualquer, uma tipa
que me chateie menos que tu e goste mais de foder.

Se ainda não compro jornais desportivos
já faltou mais, quanto aos outros
nem lhes pego, não me interessa o que se diz,
não quero saber de astrologias, nem me preocupam as previsões
meteorológicas. Nunca fiz um check-up
embora tenha várias dores sem nome e, como sabes,
até gostava que isso do aquecimento global
fosse mesmo grave, para ainda ser um
daqueles que vão ter o privilégio
de ver este mundo afundar-se na sua merda.

E pronto, não deve haver esperança para um gajo
que escreve uma coisa destas, mas não te preocupes,
lá mais para o fim
vais ver que também eu, envelhecendo,
hei-de vir para aqui já senil, meio decrépito,
apagar-me a juventude com outros mais populares
e super-líricos entusiasmos, desses de quem silencia
a consciência enfiando corajosamente
____________o pé direito na cova,
à espera que venha daí alguma luz,
uma que doa um pouco menos que esta.

2 comentários:

dama disse...

gostei bastante

bruno vilar disse...

Grande poema .

Se me permites,
só uma correcção : diabetes
é palavra singular feminina.
Uma rápida visita aqui confirmará
o que te digo: http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx.

Não abusando da tua paciência:
fundei com três amigos um blogue
de divulgação literária, sobretudo poética; caso te interesse :

http://mal-situados.blogspot.com.

Serão bem-vindas todas as críticas e sugestões.

Sem mais,de momento,Bruno Sousa Villar