O ar move cinzas e a cidade arde. À mesa, tento distrair-me com as notícias da uma, mas mesmo ao meu lado a janela recolhe-me os olhos e, ao cortar-me metade da vista, só consigo ver as encostas queimadas.
O telefone acorda-me como fazem as crianças que não queremos, quando lhes apetece fugir de casa. Uma voz lida tenta vender-me um seguro de vida, não vá eu morrer de asfixia ou atropelamento ou de uma outra morte estúpida, como depois seria classificada por alguém em momento mais oportuno. Deixo a voz fazer o seu trabalho, dá-me tempo suficiente para concluir que não sei se gostaria que o vento se desviasse para não bater nas minhas esquinas. Entretanto começou uma série de ficção sobre o amor. Fico com a sensação de que tenho comido iogurtes carregados de açúcar a todas as refeições durante as últimas semanas. Desligo finalmente o telefone com um “não estou interessada” ou um “preferia que não me ligasse mais”, não sei bem. Hoje não estou para pensar, estou mais para tocar pela primeira vez na planta que tenho na sala e que foi crescendo ao longo dos anos sem que lhe tenha oferecido uma só gota de água (um amigo que a roubou deixou-a por cá). Talvez tivesse mais carinho a uma erva-daninha que a minha mão houvesse arrancado a algum quintal desses no abandono, como boa filha que sou de uma nação de magras fronteiras.
Por esta altura, alguns cantos da casa já mergulharam na sombra roxa do fim da tarde mas os ponteiros escondidos nos riscos do mostrador ainda sugam a mesma pilha. A televisão já não tem som, compensando-se com um brilho eléctrico que teima em secar-me os olhos até chegar a hora de entrarmos juntas e fluorescentes na escuridão.
À meia-noite já se cola na janela um gelo preto e repentino e a cidade agora só chove um líquido puro e estéril que não nos comove.
Talvez amanhã já possa sair. A minha doença é uma dessas que se curam como uma ferida desinfectada em álcool. Depois volto, como sempre, mesmo em dias como este, cumprindo uma vontade inexistente.
Olhando pela janela, a vista parece novamente completa e pode observar-se agora claramente o vento a correr, recolhendo a fuligem nos telhados.
O telefone acorda-me como fazem as crianças que não queremos, quando lhes apetece fugir de casa. Uma voz lida tenta vender-me um seguro de vida, não vá eu morrer de asfixia ou atropelamento ou de uma outra morte estúpida, como depois seria classificada por alguém em momento mais oportuno. Deixo a voz fazer o seu trabalho, dá-me tempo suficiente para concluir que não sei se gostaria que o vento se desviasse para não bater nas minhas esquinas. Entretanto começou uma série de ficção sobre o amor. Fico com a sensação de que tenho comido iogurtes carregados de açúcar a todas as refeições durante as últimas semanas. Desligo finalmente o telefone com um “não estou interessada” ou um “preferia que não me ligasse mais”, não sei bem. Hoje não estou para pensar, estou mais para tocar pela primeira vez na planta que tenho na sala e que foi crescendo ao longo dos anos sem que lhe tenha oferecido uma só gota de água (um amigo que a roubou deixou-a por cá). Talvez tivesse mais carinho a uma erva-daninha que a minha mão houvesse arrancado a algum quintal desses no abandono, como boa filha que sou de uma nação de magras fronteiras.
Por esta altura, alguns cantos da casa já mergulharam na sombra roxa do fim da tarde mas os ponteiros escondidos nos riscos do mostrador ainda sugam a mesma pilha. A televisão já não tem som, compensando-se com um brilho eléctrico que teima em secar-me os olhos até chegar a hora de entrarmos juntas e fluorescentes na escuridão.
À meia-noite já se cola na janela um gelo preto e repentino e a cidade agora só chove um líquido puro e estéril que não nos comove.
Talvez amanhã já possa sair. A minha doença é uma dessas que se curam como uma ferida desinfectada em álcool. Depois volto, como sempre, mesmo em dias como este, cumprindo uma vontade inexistente.
Olhando pela janela, a vista parece novamente completa e pode observar-se agora claramente o vento a correr, recolhendo a fuligem nos telhados.
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