Cada vez mais enterrado numa solidão - de que fujo e para que corro sem saber, num caso ou noutro, porquê - passo os dias a somar acenos de cabeça e sorrisos ausentes, aprendi (a indiferença também se aprende) a não reagir a nada do que me chega: a não o demonstrar pelo menos. O problema, claro, é a ténue divisória entre não expor a reacção e não ter reacção; o que, a princípio, era uma resolução ou nem isso, uma atitude natural não premeditada, de não partilhar com terceiros o que achamos, é depois uma absoluta incapacidade de reagir. Em menos do que se espera tornamo-nos corpos sem reflexos, objectos onde as balas não se pregam nem fazem ricochete, é verdade. Mas não ser atingido porque não se existe perante quem tem a arma é pior do que ser atingido. Ou claro, do que não ser atingido porque se disparou primeiro.
O que acontece, e é esse um dos males, é que por absurdo o nosso pensamento é mais formatado do que a expressão que lhe damos. O imediato é mais estruturado, mais coerente e, paradoxalmente, mais fértil do que o mediato: este último exige uma presença. E a presença é sempre menos completa do que a possibilidade de uma presença, porque a primeira, ao contrário da segunda, ambicionou a totalidade. E por isso falhou mais. «Penso como um génio e escrevo como um miúdo», não é assim? O Nabokov tinha ao menos o inglês como desculpa. E eu, que desculpa tenho? Dizer-vos que penso assim e escrevo como vêem? Dizer-vos que não tenho desculpa?
Um curso mal escolhido, meia-dúzia de infortúnios, igual quantidade de má-vontade, a preguiça (o único defeito que ascendeu à qualidade de virtude), este ar de menino de boas famílias, estas dioptrias ou esta inteligência sem vasos comunicantes? Desculpar um erro com o próprio erro, quem diria: um gajo que se quer analítico, cartesiano até ao osso, salvo por uma petição de princípio. Graças a deus - outra boa desculpa, agora me lembro - que ninguém nota.
O que acontece, e é esse um dos males, é que por absurdo o nosso pensamento é mais formatado do que a expressão que lhe damos. O imediato é mais estruturado, mais coerente e, paradoxalmente, mais fértil do que o mediato: este último exige uma presença. E a presença é sempre menos completa do que a possibilidade de uma presença, porque a primeira, ao contrário da segunda, ambicionou a totalidade. E por isso falhou mais. «Penso como um génio e escrevo como um miúdo», não é assim? O Nabokov tinha ao menos o inglês como desculpa. E eu, que desculpa tenho? Dizer-vos que penso assim e escrevo como vêem? Dizer-vos que não tenho desculpa?
Um curso mal escolhido, meia-dúzia de infortúnios, igual quantidade de má-vontade, a preguiça (o único defeito que ascendeu à qualidade de virtude), este ar de menino de boas famílias, estas dioptrias ou esta inteligência sem vasos comunicantes? Desculpar um erro com o próprio erro, quem diria: um gajo que se quer analítico, cartesiano até ao osso, salvo por uma petição de princípio. Graças a deus - outra boa desculpa, agora me lembro - que ninguém nota.
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