Atinges uma pedrada sublime escutando canções dessas
onde moram exilados, arrumando tão mal
a casa, aspirando o pó para os pulmões,
dançando de costas para o espelho
no desespero mobilado de um T2. Enfim
este és tu e aí estás, a pagar renda à solidão,
calmo, nu, e de novo à beira de um sobressalto.
Por momentos o corpo afunda-se
em vertigens,
como um marcador perdido num livro
ou um deselegante pisa-papéis.
O texto enrola sem dizer o que quer,
quase nada bate certo, daí que falar no coração
é cair na pior das redundâncias.
Ruas de um só sentido –
é mais ou menos o que se vai dizendo por aí.
E faz sentido. Eram outros tempos, esses
em que ela te fazia a cama enquanto falavas alto de tudo,
abusando dos adjectivos, como se soubesses explicar-te.
Querias a certeza que se não concordavam nalgum ponto,
pelo menos podiam acabar as frases um do outro.
Depois alguma coisa correu mal. Isso está nos livros,
qualquer coisa tem sempre que correr mal.
As lembranças agora andam por aqui
quase discretamente, soltam-se às vezes
por um qualquer acaso estúpido, perguntam
onde foi, choram, vomitam-te
as gavetas, gravam e desgravam-te as cassetes,
sentam-se a comer gelado de natas e a ver-se
a si mesmas escoadas num filme em super-8,
onde não faltam arranjos sonoros
à Danny Elfman e uma realização
meio doce, meio mórbida, estilo Tim Burton.
Os gestos, gostos e preferências dela mordem-te
no escuro, sangras em alguma roupa que se esqueceu
ou não veio buscar de propósito,
e o gato que morreu nesta casa, vai e vem
e mia a certas horas – pede festas
de umas mãos que já não lhe podem tocar.
Sem comentários:
Enviar um comentário