Aos dezoito anos vive-se já na antecâmera
do pesadelo, mas a vida reserva-nos ainda
o fulgor intempestivo dum embate
de onde sairemos homens,
estonteados de suor e lama.
Sabíamos que não ia durar muito
a juventude – noventa e três minutos, mais
ou menos. Mas com pouco se improvisa
o património da memória: um irónico toque
de calcanhar, uma rápida investida
no coração do tempo, as mais loucas diagonais
contra o pior dos fatalismos, o dos tímidos.
Como esquecer aquelas fintas
à tristeza, a viva fantasia dos relâmpagos
rompendo fundas brechas no espírito
simétrico, pesado, dos teutónicos,
a negação do fado. Que foi isto, perguntámos,
como pôde? Nenhum relógio mede
tamanha velocidade, só a vida.
Mas se as lágrimas deslizam, como vêem,
pelo poema abaixo, isso é sinal
de que o futuro já passou, já ruiu
a balaustrada de onde víamos serenos
a corrida dos minutos, coroada
de possível. Que nos resta? Nada.
Felizes os que guardam, pelo menos, a cassete.
- José Miguel Silva
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