A minha vida divide-se entre luz e sombra.
Dos vinte aos trinta e quatro fui aplaudido
por holofotes em cio, todas as notícias
me queriam conhecer, as mulheres rodopiavam-
-me nos braços. Nove filmes de sucesso
e depois – o desastre: três falhanços seguidos.
O meu rosto, diziam, passara de moda.
O requintado romantismo dos meus papéis
fora ultrapassado pela realidade da guerra
na Europa. E após a guerra, o público dera
em imitar o cinismo dos intelectuais,
ria-se dos gestos, da vibrante paixão e
dos castos abraços em que tudo se fundia
com as aparências. Apagara-se de vez
a minha auréola, a minha estrela.
Afastado das telas, cessaram os autógrafos,
perderam-se os convites. Tudo terminou
como se fosse apenas sonho de uma sombra.
No meu funeral, vinte anos depois, nenhuma
apaixonada deu o rosto, nenhuma malcasada.
Só então me apercebi a que ponto estava morto.
Reflecti, vós que passais, na minha história:
Morre duas vezes quem viveu da sua imagem.
- José Miguel Silva
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