terça-feira, março 04, 2008

I would prefer not to.

um verso e depois outro, existindo
sem sobreviver aos génios - escrever o poema até ao fim
querer uma obra depois de tudo o que já se disse
despedaçados pela eficácia da inspiração de quem nunca seremos
e mesmo assim preferir a honestidade às vezes cruel
sem nos consumirmos pelo horror aos hieróglifos que se falsificam
a merda contemporânea, a galeria de escritores envaidecidos
autografando as suas duas e três antologias
as galas e os títulos, o furor breve que engole tantos dias
estantes inteiras à beira de uma ruptura demencial
(pausa) neste momento seria recomendável
não pisar a flor da pele, não massacrar a sua sensibilidade
nem procurar o palco seguinte para nos misturarmos com os actores
partilhando essa mediática personalidade
furada de carências
a alegria triste, o vício de ânsias estéreis
transformando tudo em nada, incidentais elementos
que agradam os preconceitos da fugitiva estética
as pedras quietas ou o andamento das nuvens
entre outras formas gratuitas e sublimes
vendidas como promessas de um destino
que lhes sirva o contínuo delírio

Bartleby entra no quarto, puxa uma cadeira
e senta-se do teu lado observando o que fazes
sem dizer uma só palavra

uma presença assim, inesperada, incomoda muita gente
mas o seu silêncio, a total disciplina da sua inércia
torna-se menos real, enquanto na penumbra
a rebuscada caligrafia da morte
regista no seu caderno indecifráveis moradas
e alguém num colóquio se engasga a meio do discurso
sufocando, um momento literário por fim
e ninguém bate palmas
mas todos ficam de pé em completo pasmo

se não deixarmos as malas à porta querendo sempre partir
para esse hemisfério iludido por um solstício imaginário
ainda podemos envelhecer segurando o esplendor das tardes
quietos e tranquilos como as flores
entretidos com a beleza tão disponível e tão frágil
não abdicando de uma intimidade velada
mas sem a violência dos sonhos, da loucura e da solidão
o futuro, já se sabe, pertencerá aos insatisfeitos
eles é que o merecem depois de terem vivido de medos
a brincar aos imortais, para nós é mais fácil
estamos indefinidamente vivos
e isso basta

1 comentário:

Artur Corvelo disse...

cum caralho, há quem perceba da poda.