Enveredámos por outros caminhos
tu e eu, meu amigo, ex-poetas.
Deixámos de escrever aqueles pequenos
opúsculos e poemas em que o amor
se fazia rimar com dor, e coração
com emoção, agora
já ninguém nos liga puto. As palavras,
que deixamos como deixamos este lugar,
têm o efeito difícil de tudo aquilo que passa
para não voltar mais e se hoje tivesse que
deixar cair aqui um coração fá-lo-ia rimar
com um balão (rasgado ou frouxo) desses a hélio
que ainda se vendem no parque infantil.
Entardeceu, ninguém nos levará pela mão
de volta a casa, no pulso já não está preso
aquele cordão e também já ninguém nos diz
para não fumarmos porque nos faz mal,
que causa impotência e mata. Já tudo nos mata,
não é preciso estar a dizê-lo a todo o momento.
Não imaginámos que era só isto
o que seríamos quando finalmente fôssemos grandes
e já pudéssemos fazer tudo o que nos apetecesse.
Quietos aqui, é isto o que nos apetece
ou é tudo o resto que não nos apetece.
Sentamo-nos no entardecer de cada dia
e deixamos apenas os olhos desprenderem-se
como dois peregrinos odiosos que cavam
pequeninos túmulos para pássaros e outros
desses corpos breves que ousam voos
e saltos entre telhados.
A única mensagem que nos descansa
está na tepidez destes versos
onde as varejeiras vêm desovar,
nesta carne, nas feridas de um mundo
que ainda insiste nas rimas e no amor
mesmo que esse caminho apenas nos entregue
mais depressa, ainda que com menos certeza,
àquilo que ainda na infância fomos sabendo
- a morte acompanha a cada excesso,
cada pequeno sinal de fúria -
afinal, vê mas não toques, toca
mas não proves, prova mas não engulas,
desiste, nenhum apetite se sacia.
É melhor sentarmo-nos,
gerirmos o desgaste sem pressa nem vagar
a um breve alcance de uma compensação líquida e alcoólica
para tudo o que nos sai da pele em suor e tristeza.
E é só isso, não é preciso ir atrás deles,
os dias também passam por aqui.
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