domingo, fevereiro 03, 2008

The way things are put together

num lugar sem qualidades, o álcool convida
os amigos, adivinham-se entre eles
poetas e outros emissários desempregados
tanto mais respeitados aqui quanto mais bebem
e menos falam
os dois bêbados de serviço e os putos que
a brincar-a-brincar se vão juntando a eles

uma ou outra mulher, quase sempre
divorciadas há já muito tempo e sem a mínima vontade
de repetirem os erros do passado, habituam-se
ao convívio grosseiro com os homens
e esquecem os afáveis cretinos
que um dia as fizeram sonhar, para depois
se vingarem nelas com doses de porrada disciplinar
e perdões encomendados à puta da vida que para alguns
será sempre mais frágil que para outros

também por ali marcam presença
os velhos transmontanos que não se cansam nunca
de maldizer a capital e a sua máfia política
enquanto pedem mais um copo de três
sem renunciarem ao tique da palaçoula, uma arma branca
segundo a métrica da gente-alface

aqui por estranho que pareça
não se fala de futebol (não me apetece)
é daquelas coisas estúpidas demais, até para o poema,
depois são os passageiros, as personagens
que andam fugidas de ficções incompletas, aparecem
desaparecem, às vezes alegres, outras demasiado tristes,
por vezes falam muito, outras até para pedir a bebida
recorrem a gestos,
há dias em que nos cansam, outros em que o mundo
é demasiado real para vivermos nele
e olhamos na direcção da entrada
ansiando que uma delas nos invada os sentidos

a mulher que nos serve por trás do balcão
não se chama Benilde, não se chama nada
está ali para o que a sede quiser ou o poeta
conseguir inspirar-lhe, vive e não vive
mas mata com toda a certeza

são infecções nocturnas, modos de partilhar
míseras certezas, processos de decomposição
notas que por qualquer insciente razão nos aproximam
da mesma forma que nos aproxima o frio, o medo e a poesia que não rima
e por onde escorre o carregado teor do mijo, alaranjado
o fumo do tabaco, a tosse e a expectoração
as reticências, as sílabas sem nexo e as gramaticais dores
tudo, faz tudo parte da crosta desta ferida que não sara
porque lhe metemos os dedos para nos sentirmos mais chegados

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