pintámos tantos cestos de frutas com estas mesmas
precárias mãos que hoje desfiam o horizonte entre jogos de luz,
ensaios com sombras e alguns truques de ilusionismo,
sim, também eu aprendi a domar o silêncio
com palavras escritas rente à pele e ao desejo
também me debruço sobre a vertigem da folha de papel
e aguardo a gestação dos meus imaginários, agracio o lactescente peito
das fémeas, manejo artimanhas, repetições, aliterações e organizo
mamíferos inspirados e seres lendários na minha cadeia alimentar
respiro eloquências, de vez em quando caio desamparado no vazio e sinto-me,
recomponho-me, volto a puxar o mito pelos cabelos
redijo longos tratados sobre o corpo e os reflexos
da intimidade, invento atributos, gosto de asas em corpos humanos
e gosto de seres com luz própria, interrompo-me e oiço
a forma suave como me perguntas que horas são
percebo que está na hora de me ir, só mais um pouco, peço-te
desenho para ti estruturas desequilibradas por cima da loucura,
pontes de cristal sobre esta cidade que evitas a todo o custo
depois, espero que adormeças e decoro-te as ruas
por onde caminhas desse outro lado, sorrindo
para esboços de rostos eflúvios de castidade
inundados aos poucos pelo sexo, corroídos
pelas adversas manifestações da besta inconstante
que veste a nossa pele e se evade pela calada
antes que acordes segredo ao teu ouvido:
vamos embora daqui, mais um corpo menos um
não faz diferença, vamos embora daqui
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