a fierce pleasure in things being themselves
era o tempo em que não se pensava no cultivo
nem nas colheitas, respirávamos e pouco mais
no quintal, balançando na rede
ao ritmo lento de todos os vícios naturais
descascando muitas tangerinas, a tarde abria-se
em gomos de sumo adocicado e ali aguardávamos
o êxtase dos pardais entre as diligências da primavera,
o velho sobreiro desenhava um manto de sombras
sobre os nossos corpos e adormecíamos tantas vezes
com a total incerteza das horas
e aquela tranquilidade de quem se deixa morrer
sem listas, sem satisfazer mais nada nem ninguém,
sem qualquer palavra para entregar ao medo
e depois é o que se esperava, uma ideia puxou outra
tivemos que conversar sobre o futuro etc. e tal
e lá recuámos sem o saber, demos uns passos
para fora da sombra, para além do quintal
quisemos mais mundo, qualquer coisa por nomear...
tem graça que é mesmo disso que hoje vivemos,
colando nomes às coisas para as guardar
como se não fôssemos morrer um dia, sempre
com a visão como uma arma apontada a alvos
para enfim sentirmos a perda no ocaso de cada dia
quando nos recolhemos entre molduras e estantes
nestes vazios do hábito em que nos vamos ocupando
à espera dos versos, tricotando o colorido vestuário
para uma reposição de alice no país das maravilhas,
e tudo é uma reposição de qualquer coisa
já não há uma tarde sem explicação, sem silogismos,
sem uma passagem ou um caminho que conduza
a um outro universo para nos perdermos mais e mais fundo
mais e mais longe do nosso quintal, daquela rede
e do enovelado rumo sossegado
dos nossos corpos estendidos, gozando-se
como se o prazer fosse uma coisa tão fácil, tão gratuita, tão natural
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