Resume-se a isto outra saída onde fomos afogar as anginas
e desenganar o estrabismo dos nossos olhares
com visões e delírios bifurcando entre as ruas do bairro
e todos os desencontros que este nos promete. Fomos dos primeiros
e vimos como chegavam embrulhados em papel de rebuçado
vindos de todo o lado, os residentes das mais solitárias periferias.
Acomodavam-se às paredes e ao chão, buscavam
nos copos de plástico alguma infecção, bactérias de ânimo,
ou só uma bofetada na recriminadora consciência e
outro hálito menos perturbado,
abraçando palavras suficientemente vagas
para serem esquecidas outras conversas
e o fuso por onde se regem todos estes corações
em lenta e dolorosa decomposição.
Ao longo da linha a noite florescia, uma beleza negra,
dividindo o seu perfumado terror
em individuais medidas mais suportáveis.
Fingiam a liberdade como sabiam, aqueles corpos
que horas depois seriam rebocados dali, resgatados
dessas vielas de uma nudez e intimidade ácidas.
Lembro-me ainda de ter cruzado várias vezes o olhar
com uma miúda mais nova, dessas que se esgueiram
para dentro dos nossos sonhos. Sorriu antes de se desviar
e deixou-me outro rasto de nada nas mãos, o que por vezes
é o melhor que se pode esperar quando as mãos
já se habituaram ao vazio. Tudo nela indiciava
uma infrene combustão que nunca será minha
e completava a ironia da sua intangível existência
(neste meu míope mundo)
com uma t-shirt coçada que tinha inscrita
a frase rehab is for quitters. Tem piada,
mesmo que não nos faça rir.
Não pude deixar de a procurar mais algumas vezes
entre os magotes inconstantes que se dispunham em contraluz,
depois perdi-a noutro pensamento frio enquanto um tipo
bastante alto e magro aceitava a derrota mais cedo
e teve que ser transportado por outros dois.
Ao passar por nós abriu um pouco os olhos, e embora
não possa ter visto muito, ainda assim viu o suficiente
para dizer uma coisa que todos ouvimos
"não estamos a ir na direcção certa".
Ficaram connosco apenas um número incerto de aparas
e sinais breves para colar os espaços brancos
enquanto a ressaca se habitua à dor da lucidez. Na pele
sangue pisado entre o cansaço de várias induções
através de trilhos de celulóide, deambulações e viagens químicas.
Um resto de láudano susteve cada corpo no difícil regresso
ao abandono, às discretas moradas e frontispícios do medo
ou habitações, onde no meio de retratos e contornos
se debruçam fantasmas familiares ciciando
canções menos tristes que a vida, finais pouco felizes
para todas as noites que, assim, acabam
confiscadas por variáveis noções de desinteresse, com sorte
menos nocivas que a fútil insónia
que já esgotou toda a sorte dos nossos versos.
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