quinta-feira, janeiro 24, 2008

um pouco depois de ser criança deixou de as inventar
não se dava ao trabalho, roubava palavras às bocas de incêndio
e usava os cigarros num processo
de esfumar a desanimação do corpo

sentia que a qualquer momento
haveria de surgir na emergência de um inverno destes
compostos por hologramas de pardacentas combinações, uma mão, viria finalmente
a mão que sabe explicar como funciona o mecanismo de regular gente
como se tratam os assuntos sérios, a mão
que ata corações
um pouco acima do nível do chão
e às vezes os desata deixando-os à mercê do primeiro sapato
a mão que ignora o tempo e se move em câmara lenta, reconvertendo as primeiras
hesitações, frame por frame, anulando as falhas técnicas
mexendo com a luz
acrescentando efeitos especiais
para que os fracassos se tornem números
de um comediante e os excessos dêem forma a uma bacia
para recolher-te o sal, sinais que não me lembro
de alguma vez ter visto no teu rosto

mesmo esperando nenhum inverno chamou o meu nome

um dia apaguei o último cigarro
fiquei calado muito tempo, tempo suficiente
deixei de instilar verbos no calor do peito que gastava contigo
mas desenhei o teu nome na fachada do meu prédio

dias mais tarde acordei depois de um sonho
e senti-me mais frio que nunca
apanhei um táxi e pedi ao motorista, notoriamente embriagado,
que me levasse, com calma, para longe daqui

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