sábado, janeiro 12, 2008

ninguém nos viu passar
excepto

claro

os porteiros


Mário Cesariny


A artéria principal da cidade tem no seu princípio uma maternidade. É lógico que seja aí o início da rua.
As pessoas saem da maternidade e vão passeando pela rua. Não é uma avenida enorme porque a cidade também não é grande. Mas há muitas distracções pelo caminho: becos, atalhos, pessoas que nos convidam para entrar em suas casas, parques onde descansar um pouco, salões de jogos... Não se pode dizer que se perde tempo nesses sítios (excepto para aqueles que se metem pelos atalhos), mesmo quando é essa a sensação que fica, porque o resultado é o inverso.
Às vezes pensamos que já não sabemos onde estamos e isso normalmente preocupa-nos. Depois de algumas desorientações, começamos a perceber finalmente que é impossível perdermo-nos e não voltar ao nosso caminho porque todos temos que descer esta rua, seja como for.
"Nós" somos uma multidão. A maioria não se apercebe. É necessário parar um bocadinho para se ver as outras pessoas a passar. É uma pena que nós, humanos, não possamos estar permanentemente nesse papel de observadores. De qualquer modo faltar-nos-ia sempre a paciência. Mas outras entidades ocupam essa posição como, por exemplo, o coveiro que espera a nossa chegada, ao fim da rua. Ele, sempre ao portão do seu cemitério, nunca ignorou ninguém. É lógico que seja aí o fim da rua.

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