quinta-feira, janeiro 03, 2008

Finais infelizes

Ninguém se perdeu da última vez que falámos nisso e custa-me que tu tenhas ainda medo das horas menos repetidas que ainda sobrevivem aos nossos lugares. Da última vez que me disseste uma palavra capaz de suster de imediato a pressa com que balanço entre pensamentos foi qualquer coisa de surpreendente. Sabes, parece que chegamos sempre a um momento em que já não esperamos muito. Saímos de casa sem sair de nós e levamos as constatações forçadas de tudo o que ensinámos a nós próprios nos momentos em que queríamos esquecer o mundo e não voltar a ver, nos momentos em que queríamos enganar o esquema desalinhado das ideias.
A última semana que passou sem me ligares, passou sem mais nem menos. Não me soube a diferença, não te senti falta e a culpa não é tua. Há semanas que passam sem que eu sinta a mínima dor, o mínimo constrangimento, embaraço ou mesmo excitação, uma emoção por dia parece já ser pedir demais. É fácil escrever que já nem de mim sinto falta. Talvez eu tenha emigrado para um hemisfério a sul do sul e talvez de mim tenham ficado apenas as coisas que não quis levar. O que sinto é tão pouco, sinto-me sangrar nas aves... o céu já não é o que era.
Gosto das cartas que nunca cheguei a enviar-te. Por alguma razão devo ter pensado que não as receberias com entusiasmo no entanto agora é tudo o que tenho de mim e é na verdade um conjunto de palavras que hoje eu já não saberia alinhar. Por isso guardo estas cartas muito mais para me lembrar de mim do que de ti.
Tu passaste a ser um espelho feito de remendos e eu tenho contigo apenas a cumplicidade de uma derrota. Invocamos o silêncio a partir de qualquer imagem que nos deveria fazer lembrar algo melhor e mesmo o silêncio é já só a nossa forma de nos esquivarmos a tudo o que poderíamos dizer porque já não temos nada a dizer.
O tempo não volta. É este o tipo de frases com que ficámos. O vento passou por aqui, nós resistimos e ficámos demasiado sozinhos. Agora sempre que uma brisa nos esfrega o rosto pedimos um vento mais forte, um temporal que nos leve também a esse destino onde talvez nos voltemos a encontrar com um braço elevado e um sorriso no rosto chamando um pelo outro, como para dizer que está tudo bem, estamos aqui.

Sem comentários: