É o dia a dia amante do poeta
um rosto contra todas as pátrias
num arco de versos __no deserto do século
uma cratera aberta no silêncio
para engolir todo o pranto da terra
até o homem ficar nu
ouro sobre azul sobre a morte
definitivamente
É o dia a dia amante do poeta
as letras do seu nome
pronunciadas no abismo
enquanto um povo inteiro desaparecido em beleza
sob a asa do mistério
canta na sua boca
e um oceano __e outro oceano
amanhece contra o coração
toda a saliva do amor
como uma serpente
sorrindo num vendaval de estandartes brancos
desfraldados a teus pés
caligrafia de aves sobre o precipício
antes do relâmpago
na neve devagar
até explodir nos lábios
É o dia a dia amante do poeta
solitário
na clareira violenta onde uma criança em fúria
escreve a sua história
e um relógio de fogo
queima as horas imundas
onde uma estátua de ossos
se inclina chorando
contra o peito da noite
e um automóvel __e outro automóvel que passa
desaparece num vómito
É o dia a dia amante do poeta
no livro dos mortos que voa
está escrito o nome dele
ao lado da sua máquina de guerra
- António José Forte
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